Por Fábio George Cruz da Nóbrega*
03/05/2023 | 05h00
O momento político do país, em especial os atos golpistas recentemente observados, trazem reflexões importantes sobre dois temas essenciais que precisam ser enfrentados no país, com prioridade e participação efetiva da população, da cidadania brasileira: o fortalecimento da democracia e o enfrentamento da corrupção.
Inequivocamente, cuida-se de temáticas interligadas. Afinal, só é possível realizar o enfrentamento da corrupção em ambiente democrático, com imprensa livre, sociedade crítica e participativa, partidos de oposição, transparência dos atos governamentais e atuação livre e independente das instituições e agentes públicos.
Em regimes de força, autoritários, os atos de corrupção ocorrem normalmente, mas, valendo-se do obscurantismo e da ausência de transparência, sequer chegam a ser divulgados e, por conseguinte, enfrentados. Por fim, apenas em democracia é possível construir as condições necessárias para uma efetiva participação popular na fiscalização dos recursos públicos.
Por outro lado, a corrupção desenfreada, sem adequada investigação e punição, acaba minando a credibilidade da população nas instituições e levando a uma desconfiança sobre a própria democracia, contribuindo para a perda de sua qualidade.
Não por outro motivo, é possível fazer uma clara correlação no mundo entre qualidade de democracia e nível de corrupção nos governos. Quando se observa, por exemplo, a lista dos países menos corruptos, é fácil perceber que eles também compõem o grupo das nações de melhor qualidade da democracia. Difícil uma coisa ocorrer sem a outra.
Tanto a melhoria da qualidade da democracia quanto a redução da corrupção não podem ser alcançadas apenas pelo funcionamento dos organismos do Estado, demandando a presença de uma sociedade ativa, engajada, participativa.
A qualidade da democracia pressupõe, indiscutivelmente, a existência de uma população que não deteste a política. Ao contrário, é preciso ocupar todos os espaços garantidos por lei à cidadania. O ato de votar em candidatos comprometidos com padrões éticos e com os princípios democráticos é, sem dúvida, um bom começo, um importante passo.
Mas é necessário ir além, mesmo fora dos espaços reservados aos partidos políticos.
A atuação pode se dar, por exemplo, na participação efetiva em todos os organismos paritários previstos em lei, que permitem à população debater e definir, conjuntamente com o Poder Público, as prioridades e políticas governamentais. Também pode ocorrer na mobilização e organização para a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular. Há diversos espaços importantes a serem preenchidos.
Num país continental como o nosso, resta impossível também para os órgãos estatais fiscalizar, sozinhos, a aplicação dos recursos públicos. Especialmente nos municípios menores, localizados no interior, onde a presença desses órgãos é bastante insatisfatória, cumpre à população um papel decisivo nesse processo, de acompanhar a aplicação desses recursos e denunciar, quando for o caso, as irregularidades detectadas.
Para tanto, a legislação brasileira afeta ao tema da transparência garante a todos os cidadãos o pedido de informações a ser dirigido ao poder público, em todas as esferas, sobre quaisquer atividades realizadas pelos governos.
Mas a Constituição brasileira reserva aos cidadãos, à sociedade em geral, um papel ainda mais importante: o de levar diretamente essas irregularidades ao conhecimento do Poder Judiciário, buscando a invalidação dos atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, sem a necessidade de aguardar a atuação dos órgãos estatais.
Assim, seja através do instrumento da ação popular - reservado aos eleitores, individualmente considerados -, seja através do manejo da ação civil pública - possível de ser utilizada pelas entidades da sociedade civil que estejam constituídas há mais de 1 (um) ano e que tenham entre seus objetivos sociais a referida missão -, a própria sociedade pode buscar, diretamente, a correção dos atos irregulares através de ações promovidas perante o Poder Judiciário.
Em suma, a legislação brasileira já prevê instrumentos importantíssimos para serem utilizados pela população, pela sociedade na busca do aperfeiçoamento do processo democrático e da boa aplicação dos recursos públicos.
Falta ainda, claro, uma cultura efetiva de controle social que estimule os cidadãos a se organizar e priorizar essas temáticas, a despeito de boas iniciativas já observadas no país.
No campo da fiscalização dos recursos públicos, a partir da iniciativa pioneira da AMARRIBO Brasil, há mais de 20 anos, surgiram algumas experiências positivas de organizações não governamentais atuando em rede. Nos dias atuais, vale destacar o trabalho desenvolvido pela Rede do Observatório Social do Brasil, presente em dezenas de estados e centenas de municípios brasileiros, fiscalizando a regularidade das licitações abertas e dos preços das compras governamentais.
Já no terreno da qualidade da democracia, pode ser destacado o trabalho da Rede Cidades por territórios justos, democráticos e sustentáveis, que reúne entidades de diversas cidades brasileiras que buscam a transformação social através da participação no debate, construção e execução de políticas públicas locais.
É missão fundamental não apenas do poder público, como da própria sociedade, construir essas bases de participação plena da cidadania e exercício do controle social.
Mãos à obra! Há muito por fazer!
*Fábio George Cruz da Nóbrega, procurador regional da República
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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