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'Orçamento secreto 2.0': os repasses sem transparência e a farra fiscal que não quer parar

Por José Mauricio Conti*

28/04/2023 | 05h00


O Estadão noticiou em manchete de primeira página, no último dia 15 de março, que o "Governo Lula mantém repasses federais sem transparência - Planalto adota modelo que preserva práticas do orçamento secreto", voltando ao tema das negociações com o Congresso envolvendo as emendas parlamentares ao orçamento.


A participação do Congresso na Administração Pública Federal, fato que ocorre em todas as esferas da federação, não é nenhuma novidade. Faz parte da democracia, mesmo porque é legítima e saudável a interação entre os Poderes, o que inclui a influência e participação do Poder Legislativo no Governo, onde podem dar sua colaboração para que sejam atendidas as demandas da população que os elegeu.


São várias as formas pelas quais isso pode ocorrer, abrangendo a ocupação de cargos sob comando do Poder Executivo e também a influência na gestão dos recursos públicos por meio do direcionamento na destinação de recursos orçamentários para áreas e setores que entendam necessários, além de outras formas.


O problema, portanto, não está nos meios pelos quais se operacionaliza esse relacionamento entre os poderes, mas sim nas motivações que o envolvem. Havendo negociações movidas e concretizadas por razões republicanas, voltadas a atender o interesse público, são legítimas e expressam o exercício democrático do poder por aqueles que para isso foram eleitos.


O problema é que nem sempre isso acontece. Interesses essencialmente pessoais e atos de corrupção sempre permearam essas relações, desalinhando-as do interesse público que deveria norteá-las.


Por isso é que continuamente esses instrumentos são objeto de aperfeiçoamento, especialmente no que tange ao aumento da transparência, o que é fundamental para torná-los mais eficientes e menos sujeitos a práticas distorcidas. É um dos grandes desafios hoje do Direito Financeiro.


Os parlamentares federais precisam - e devem - atender suas bases eleitorais. Usar da disponibilidade de viabilizar transferências intergovernamentais de diversas naturezas, direcionando recursos do orçamento federal para essa finalidade, sempre foi um dos instrumentos mais úteis e eficientes para bem exercer seu mandato.


As emendas ao orçamento são o instrumento por excelência e formalmente legítimos para isso, e sua importância aumentou muito após as emendas constitucionais que institucionalizaram o "orçamento impositivo", que lhes conferiram maior dimensão quantitativa e de importância, levando recentemente a um incremento e aperfeiçoamento da legislação que as regulam.


Mesmo assim permaneceram lacunas, que permitiram algum déficit de transparência no uso dessas emendas, como ocorreu no que ficou conhecido como "orçamento secreto", em que parcela significativa dos recursos eram direcionados pelo Relator da lei orçamentária no Congresso Nacional, dificultando conhecer quem era o parlamentar de fato responsável pela destinação dos recursos. Isso facilitava, muitas vezes, a prática de atos de corrupção e uso indevido dos valores transferidos, obscurecendo a ligação entre as ilegalidades praticadas e o parlamentar envolvido.


Motivou até a propositura de ações judiciais junto ao Supremo Tribunal Federal (ADPFs 850, 851, 854 e 1014), que apreciaram o caso e reforçaram as disposições constitucionais vigentes, asseverando que "É vedada a utilização das emendas do relator-geral do orçamento com a finalidade de criar novas despesas ou de ampliar as programações previstas no projeto de lei orçamentária anual, uma vez que elas se destinam, exclusivamente, a corrigir erros e omissões (CF/1988, art. 166, § 3º, III, alínea "a")".


Mesmo assim, ao que parece, os efeitos não estão se mostrando eficientes como se esperava. Como menciona a reportagem citada no início desse texto, valores estimados em 100 bilhões de reais do orçamento começam a ser transferidos para aumentar a base de apoio, sem transparência, por meio de "um modelo de negociação que mantém em segredo o nome dos parlamentares que definirão para onde vão os recursos públicos que ficam sob controle dos ministérios, retomando uma prática amplamente adotada no orçamento secreto". Portarias ministeriais permitem que emendas da rubrica "RP 2" (resultado primário 2) operem transferências sem identificar o parlamentar interessado, o que antes era feito por meio das emendas sob a rubrica "RP 9" (resultado primário 9). Uma manobra que praticamente anula os efeitos pretendidos com as ações que levaram o STF a decidir sobre o tema, conferindo maior transparência ao processo de emendas ao orçamento.


Não em razão tem sido já apelidada de "orçamento secreto 2.0", evidenciando que essas práticas, a respeito de todo o esforço para serem eliminadas, na verdade estão sendo apenas aperfeiçoadas, para que tudo continue como está.


A experiência dos últimos anos tem demonstrado que o combate à corrupção é uma luta contínua e permanente, uma verdadeira "briga de gato e rato" que não vai terminar tão cedo. Se é que vai ter fim um dia. Mas combater o bom combate é um dever de todos, e desistir não é uma opção.


*José Mauricio Conti é mestre, doutor e livre-docente pela USP, instituição onde é professor de Direito Financeiro. Autor, entre outros, do livro A luta pelo Direito Financeiro (Ed. Blucher, 2022)


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


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