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  • Foto do escritorInstituto Não Aceito Corrupção

PGR: é preciso desconcentrar poder!

Das construções gestadas pela Constituição de 1988, seguramente aquela que determinou o novo modelo social de Ministério Público (MP) – defensor da ordem jurídica, do regime democrático, do meio ambiente, de idosos, infância e juventude, indígenas, consumidores e das pessoas com deficiência – é significativamente marcante.


Por isso foi importante o contundente rechaço à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que propunha a vedação ao exercício da atividade investigatória criminal pelo MP, derrotada por 430 votos a 9 na Câmara, dez anos atrás, reiterado no Supremo Tribunal Federal (STF).


Tais decisões ocorreram em sintonia com os regramentos estabelecidos no Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional para julgar crimes contra a humanidade, do qual somos subscritores, em que se considera o poder de investigação independente do MP uma das mais relevantes conquistas da civilização.


Inquestionavelmente, ocorrem situações episódicas, provenientes de violações individuais de promotores e procuradores, que são punidas, geralmente com efetividade, pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pelas corregedorias de todos os Ministérios Públicos, não sendo razoável negar isso e tentar transformar a exceção de eventual ato impune em regra.


É comum nos depararmos com narrativas artificiais, com fins oportunistas, que tentam criar atritos na relação da instituição com a comunidade. O tema tem infestado as redes sociais no plano da desinformação, danificando paulatinamente a imagem do MP. Assim como as reiteradas menções a situações que devem demandar a intervenção da Procuradoria-Geral da República (PGR), que tem atribuição para agir quando o assunto envolve atos relacionados ao presidente da República, tendo sido por isso o MP como um todo visto por muitos como omisso, negligente, inoperante e ineficiente.

A sociedade se esquece de que a nomeação para a PGR é política, ao passo que todos no MP (inclusive o PGR) o acessaram por concurso público, sendo injusto haver rotulação na baciada por atos funcionais de exclusiva responsabilidade de um indivíduo – o PGR.


Refiro-me especialmente a atos antidemocráticos, ao escândalo de corrupção no Ministério da Educação, ao desvio de verbas que deveriam atender aos Yanomamis, à aquisição de vacinas com propinas ou à gestão desastrosa da pandemia, considerada pelo Instituto Lowy, da Austrália, a pior do mundo entre 98 países examinados a partir de indicadores objetivos.


Se o PGR conclui que deve arquivar determinada investigação relacionada a questão que diga respeito ao presidente da República, pode surgir questão grave. A manifestação, que é dirigida ao STF, deve sim ser homologada, se considerada correta a análise do PGR.


Mas e se o STF divergir da interpretação? Supondo que conclua que devam prosseguir as investigações ou mesmo, de forma diametralmente oposta, que seja caso de oferecer denúncia (acusação), e não de arquivar, o que fazer com o caso, já que cabe ao MPF agir?


Hoje em dia, nada se faz e o STF simplesmente confirma a promoção de arquivamento, mesmo discordando, o que não soa plausível, e fica no ar um gosto amargo de injustiça, frustração e impunidade no desfecho, já que a prevalência da concentração de poder antidemocrática seguramente é nociva para a sociedade.


Na estrutura organizacional do MPF existe organismo colegiado que deveria receber estes casos para nova análise, pelo sistema democrático por paridade em relação àquilo que ocorre nos Ministérios Públicos estaduais.


Trata-se do Conselho Superior, órgão do MPF integrado por procuradores de extrema experiência institucional, nos termos da respectiva Lei Orgânica, que, dentro da sábia lógica de checks and balances, terá todas as condições de agir, sob a proteção da colegialidade.


O tema será debatido em breve no STF e precisa ser objeto de reposicionamento, a bem da prevalência do interesse público e do princípio da eficiência. É infinitamente mais razoável encaminhar os casos nos quais haja divergência entre STF e PGR para reexame do Conselho Superior do que simplesmente homologar automaticamente. Está em jogo, aqui, a própria recuperação da credibilidade do STF, do sistema de justiça e do Ministério Público.


Não é só. Fala-se muito sobre a forma de escolha do PGR, mas quase nunca se analisa o fato de ser possível a reiteração infinita de seus mandatos. Geraldo Brindeiro, por exemplo, foi reconduzido ao cargo quatro vezes consecutivas, e isso seguramente não é saudável do ponto de vista republicano.


Um mandato de três anos, sem direito à recondução, ou a possibilidade de apenas uma recondução consecutiva, se mantido o mandato de dois anos, parecem ideias sensatas e razoáveis para salvaguardar o interesse público.


A reiteração consecutiva ilimitada de mandatos no exercício da PGR, além de paradoxal, pode pôr em risco o cumprimento na plenitude dos papéis constitucionais conferidos ao MP, em virtude dos riscos inerentes ao enraizamento no poder, em relação aos quais o MP também está sujeito.


Vivemos na sociedade do risco e cabe a nosso sistema democrático minimizar tais situações. Reinterpretar o STF a sistemática dos arquivamentos do PGR, empoderando o Conselho Superior, pode trazer efetividade ao trabalho do MPF, beneficiando a sociedade.



O Estado de S. Paulo.6 Feb 2023 Roberto Livianu PROCURADOR DE JUSTIÇA NO MPSP, DOUTOR EM DIREITO PELA USP, ESCRITOR, PROFESSOR, PALESTRANTE, É IDEALIZADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO ‘NÃO ACEITO CORRUPÇÃO’


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