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Responsabilizar adequadamente pessoas jurídicas envolvidas em práticas de corrupção, no campo extrap

Por José Roberto Pimenta Oliveira*

26/05/2023 | 05h00


Todas as Convenções Internacionais Anticorrupção na ordem jurídica brasileira (OCDE, OEA e ONU) trazem dispositivos para a prevenção, dissuasão e repressão de práticas de corrupção envolvendo pessoas jurídicas (PJs). Assim, a Convenção de Mérida exige medidas necessárias para "estabelecer a responsabilidade de pessoas jurídicas por sua participação nos delitos". Esta "poderá ser de índole penal, civil ou administrativa", e não afastará a "responsabilidade penal que incumba às pessoas físicas que tenham cometido os delitos". Por fim, o relevante é que "se imponham sanções penais ou não-penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às pessoas jurídicas consideradas responsáveis".


No ordenamento brasileiro, não há responsabilidade penal de PJs por práticas de corrupção. Todavia, contam-se diversos sistemas de responsabilidade acionados por variadas formas de corrupção, de "índole administrativa" (órgãos e entidades da Administração Pública e Tribunais de Contas), e de "índole civil" (jurisdição civil na improbidade administrativa). Todos estão alojados no Direito Administrativo Sancionador (DAS), que, desde as suas origens, sempre tratou de responsabilizar pessoas jurídicas por ofensas a relevantes bens jurídicos-públicos (interesses públicos). O DAS precisa estar edificado, na atividade anticorrupção, com sistemas normativos eficazes, dissuasórios e proporcionais, em face da atividade de PJs que violem a probidade.


Nessa perspectiva, deve-se buscar na ordem jurídica brasileira a melhor forma de interação entre a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) e a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013). Se isto já era imperativo em 2013, desde a reforma da LIA, pela Lei nº 14.230, em 2021, a compreensão sistemática desta legislação não-penal mostra-se essencial ao enfrentamento da corrupção imputável a pessoas jurídicas, em atendimento aos compromissos internacionais.


Disso resulta que:


(i) o envolvimento de PJ em prática de corrupção, em cada caso, deve ser cuidadosamente escrutinado à luz dos tipos da LIA (artigos 9º, 10 e 11) e da LAC (artigo 5º);


(ii) a responsabilidade objetiva estabelecida na LAC (art. 2º) deve ser aplicada no âmbito da LIA (art. 3º), mesmo quando o caso concreto não receber enquadramento na LAC, já que há respaldo principiológico constitucional a sustentar este tratamento no DAS brasileiro;


(iii) a responsabilidade da PJ, sob a lente das duas legislações, não afasta a "responsabilidade individual" de pessoas físicas correlacionadas (art. 3º da LIA e art. 3º da LAC), de modo que não há base constitucional para se admitir qualquer forma de blindagem de pessoas físicas sob as sombras da PJ;


(iv) a responsabilidade conjunta ou cumulativa (pessoa jurídica e pessoas físicas correlacionadas) deve ser a regra, no âmbito judicial, só não prevalecendo no processo administrativo específico de que trata o art. 8º da LAC, demonstrando amplitude no âmbito pessoal do sistema sancionador, em busca de máxima efetividade;


(v) a responsabilidade sucessória e solidária entre PJs deve ser regulado por idêntico regime de DAS, não se justificando a diferenciação atual (art. 8º-A da LIA e art. 4º da LAC);


(vi) a responsabilidade da pessoa jurídica - sob o ângulo da LIA e da LAC - devem ocorrer no âmbito de ação civil pública de improbidade administrativa (art. 17 da LIA e art. 19 da LAC);


(vii) as diversas sanções legais tipificadas e vigentes (art. 12 da LIA, e art. 6º e 19 da LAC), devem ser aplicadas, com observância do princípio do non bis in idem (art. 12, §7º LIA), sopesando-se as sanções com o mesmo conteúdo (pecuniário ou não), vez que os dois diplomas estão encravados no mesmo plano normativo, com raiz no art. 37, §4º, da CF;


(x) além da vedação ao bis in idem, o sancionamento de PJs deve estar justificado à luz da proporcionalidade, com a regular aplicação de "fatores de dosimetria", previstos seja na LIA (art. 17-C) seja na LAC (art. 7º), buscando a individualização das sanções devidas e aplicáveis no caso concreto, destacando-se a impossibilidade de que programas de integridades possam excluir, sem previsão legal, a responsabilidade devida;


(xi) para qualquer situação fática enquadrada como "ato lesivo" (art. 5º da LAC) ou "ato de improbidade" (arts. 9º, 10 e 11), em havendo dano material causado ao Erário Público, a PJ deverá responder, de forma direta ou solidária, conforme o caso;


(xii) além do ressarcimento integral do dano, deve vigorar a sanção de "perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração" (art. 19, inc. I da LAC, e art. 12, inc. I e II, da LIA).


(xiii) para não comprometer o necessário efeito dissuasório da sanção, caberá exclusivamente à PJ indicar e comprovar "os efeitos econômicos e sociais das sanções" que lhe sejam passíveis de aplicação", em busca de "viabilizar a manutenção de suas atividades" (art. 12, §3º da LIA, devendo o juiz proceder a devida ponderação na fixação da condenação (art. 489 do CPC);


(xiv) por fim, é fundamental preservar a funcionalidade de acordos de leniência (art. 16 da LAC), produzindo colaboração substancial (dicção de Mérida) com outras formas de acordos, a exemplo do acordo de não persecução civil (art. 17-B da LIA), para lograr avanço em resultados eficientes, eficazes e efetivos, mas igualmente racionais e congruentes, no desmantelamento de redes de corrupção, de que participam pessoas jurídicas, de forma isolada ou em grupos econômicos.


Não basta que existam sistemas de responsabilização de PJs por corrupção nos Estados Nacionais. Busca-se qualidade na forma como estão estruturados e operacionalizados, oferecendo segurança jurídica na proteção de todos os interesses públicos e privados em cena.


Potencial dissuasório, resultados efetivos e proporcionalidade de respostas institucionais estatais pós-modernas é uma qualidade imposta a nível mundial e, no Brasil, irrefutável decorrência do paradigma democrático e republicano na política estatal anticorrupção.


*José Roberto Pimenta Oliveira é professor de Direito Administrativo da PUC-SP, líder do Grupo de Pesquisa Direito e Corrupção (PUC-CNPQ) e membro do MPF


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


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