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Rita Lee e seu legado para a política brasileira

Maria Fernanda Dias Mergulhão*

12/05/2023 | 05h00


Falar da cantora brasileira Rita Lee registrando a beleza de suas músicas, empatia e irreverência soa como truísmo desnecessário porque não só a geração das décadas de 70 e 80 foram agraciadas por esse belo presente Divino, mas os adolescentes, e mesmo as crianças, revelam conhecer a cantora e suas músicas com fidelidade, que a muitos impressiona. Afinal, músicas que já são conhecidas há mais de 30 anos e os que nasceram "ontem" já se revelam íntimos das letras e musicalidade da cantora.


Ela se foi aos 75 anos de idade na última segunda-feira, dia 08 de maio. Muitos afirmam: "viveu muito bem", outros "foi uma corajosa contra doença drástica", e tantos outros "já estava idosa e sofrendo", como formas casuísticas para os que ficam se conformarem com a finitude, já que a vida continua para todos e não há absolutamente nada mais irreversível do que a morte, em qualquer tempo e local do mundo.


Não só sua criatividade e genialidade musicais farão falta, mas principalmente sua transparência e leveza- uma forma direta de sentir e reproduzir em gestos e palavras o que defluía do âmago de sua alma- sua nobreza de caráter com valores humanísticos límpidos, que merecem sempre serem registrados.


Não só pelo amor e respeito aos animais, que desde longa data proclamava, mas principalmente pela aversão do que conhecia e vivenciava acerca da política brasileira. Lembremo-nos que Rita Lee foi perseguida durante o fatídico obscurantismo das décadas de 60 e 70 em que o Brasil se inseriu num grave regime antidemocrático. Qual seu maior legado, segundo nosso sentir, para a política brasileira?


A ética é valor humano desvinculado de raça, cor, etnia, religião ou classe social. Sem dúvida, a ética está associada à cultura de um povo, sua história e hábitos, quando examinada de forma abrangente. Rita Lee proclamou a ética na sua mais sublime expressão ao demonstrar sua indignação com a grave desigualdade social do país que nasceu, viveu e morreu. O sofrimento de seu povo, as iniquidades, e a corrupção política, em todas as fases da sua carreira, ora em entrevistas, ora em manifestações durantes seus shows, foram pontualmente marcados! Acreditamos que seja esse seu maior legado para o desenvolvimento dessa nação.


Sua energia era tanta, e tanta, que os "falantes" podem se apresentar tendenciosos para apontar um ou outro vício, que somada a uma vida intensa, seriam causa de sua sofrida doença e consequente terminalidade da grande figura humana Rita Lee. O que mais falar: seu exemplo!


Muito curioso, e engraçado, um registro na sua última autobiografia, segundo a qual proibia que qualquer político estivesse presente nas suas celebrações fúnebres. Ela sabia, verdadeiramente, que seu tempo estava por findar-se nessa trajetória terrena nominando, em vida, referida obra literária como seu "último ato".


Seu legado a todo momento se reafirma: sua profunda irresignação com tudo que muitos já naturalizam há décadas quanto à profunda e abissal desigualdade social e corrupção que assolam esse lindo país, que oprime pessoas, que desfaz sonhos, que causa mortes precoces e gera ignorância!


A ignorância pela repetição de erros do passado e que ameaça conquistas duramente almejadas por outras gerações; a ignorância que fomenta o abominável movimento "antivacina", e já aponta o Brasil como país que menos vacinou seus jovens em doença já exterminada há anos, como no caso da poliomielite, e mesmo na Pandemia de coronavírus; a ignorância que fomenta a figura feminina relegada a plano inferior em contradição às estatísticas de serem as mulheres a maioria da população brasileira; a ignorância que insiste em não aceitar a pluralidade, já que realisticamente somos seres plurais, com distinções sexuais, religiosas e culturais- somos seres únicos!


Na linha diametralmente oposta: o respeito, a retidão de caráter, a política sem corrupção e enraizada na ética. Rita Lee deixou esse legado, ainda que não tenha textualmente se expressado exatamente da forma com o que esse texto foi redigido, mas temos certeza, por tudo que idealizou, e revelou, esses são seus maiores valores.


Não só o título, mas o contexto se refere a essa grande cantora brasileira, lembremo-nos: não estamos vivendo em um regime antidemocrático e não devemos aceitar, muito menos naturalizar, corrupção e ausência de ética na entrega do serviço público e implementação de políticas públicas. Façamos que nossa participação política não se resuma ao dia da votação compulsória porque TODOS possuem direito de acompanhar às inciativas e votação de projetos de leis nas Câmaras dos Vereadores, nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional. Tenhamos a mesma irresignação de Rita Lee e sejamos parte de toda uma mudança!


*Maria Fernanda Dias Mergulhão é promotora de Justiça no RJ, doutora e mestre em Direito, mestre em Sociologia e professora universitária


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


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