Estamos fartos de ouvir falar em corrupção. Este tem sido um tema no país que ao mesmo tempo em que traz paixões também traz desmobilização e descrença nos processos políticos. Em um ano eleitoral é preciso mais do que nunca estar atento ao custo associado ao uso irrestrito do combate a corrupção como caça às bruxas e, do outro lado, ao custo de se pretender retirar o assunto do debate.
Pode servir como consolo o fato de que democracias do mundo inteiro convivem com a corrupção – este fenômeno não é exclusividade do Brasil. O ponto-chave discutido abaixo é que esta convivência se torna menos onerosa dependendo dos chamados mecanismos de accountability. São estes que conseguem trazer a corrupção à público e permitir o seu julgamento, tanto pelos cidadãos quanto pelas instituições encarregadas do controle e responsabilização dos governantes.
A accountability não é mera prestação de contas. O problema do controle do poder político envolve a manutenção da conexão entre governantes e governados, que a conduta dos primeiros possa ser traçada e julgada publicamente. Garantir accountability significa que, a partir do controle, se estabelece a confiança nas instituições democráticas, a legitimidade das decisões políticas.
As decisões políticas devem ser tomadas no espaço público, e estas decisões públicas devem ser mantidas accountable. É verdade que existem perigos na associação entre princípios democráticos e accountability. Pode-se demandar tanto das instituições de accountability que se acabe destruindo a confiança e a independência no cargo público que a democracia tanto precisar para se sustentar. Podem ser construídas ainda instituições de accountability elas próprias refratárias a serem mantidas accountable ou mesmo instituições que se coordenam para passar por cima das regras (inclusive legais) para atingir corruptos. Porém, se pensarmos que uma ordem política democrática se consolida e se legitima mediante a responsabilização dos agentes públicos diante dos cidadãos, a accountability é uma condição necessária. Assim, mais do que esquecer a corrupção ou caçar bruxas, é mais efetivo pensarmos na arquitetura institucional: como construímos instituições e mecanismos de accountability.
A forma “clássica” de se punir e responsabilizar nossos governantes (chamada pela literatura de accountability vertical) é através das eleições. Mas é difícil dizer que o voto sozinho é suficiente para manter os governantes na linha. As eleições não são um instrumento suficiente de controle sobre os políticos. Os governantes tomam várias decisões que afetam o bem-estar individual, mas os cidadãos só têm um meio – o voto – para controlar essas decisões (que afetam economia, educação, saúde, transporte, etc). Então, não é possível falarmos em uma responsabilização retrospectiva ou prospectiva dos governantes através apenas do momento eleitoral, sendo necessários outros elementos para que a accountability seja efetivada. Assim, passadas as eleições, é preciso estar atento ao que ocorrerá – em termos de fortalecimento ou enfraquecimento – com as instituições responsáveis pela accountability – passando por exemplo, pela CGU, PF, MPF, TCU, AGU, apenas para citar algumas na esfera federal.
A capacidade da democracia manter a corrupção sob controle depende da promoção de uma rede de mecanismos governamentais e não-governamentais de accountability (aqui incluídas a mídia e a sociedade civil, por exemplo). A remoção dos funcionários corruptos pelas instituições de accountability restauraria os critérios pelos quais as políticas são escolhidas; mostraria o custo potencial do comportamento corrupto e restauraria a confiança pública nas instituições políticas.
O desafio posto ao Brasil de hoje é ter uma rede coordenada de instituições de accountability, com recursos e pessoal suficientes para cumprir com seus papéis, com independência no cargo. Mas essa rede não pode se prender a uma lógica estrita da accountability pelo controle e preocupada com espetáculos midiáticos. Essas instituições têm um papel a cumprir de reforço da norma democrática e da capacidade dos governantes em justificar suas escolhas – não podemos abandoná-las nem idealizá-las (elas também possuem limites legais e normativos de atuação). É chave transformar o combate a corrupção de um descrédito na democracia e desconfiança da própria agenda anticorrupção em uma cidadania ativa e uma elite política que repense a forma de se fazer política no país.
*Ana Luiza Aranha é gerente Anticorrupção da Rede Brasil do Pacto Global. Doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ganhadora do Prêmio nacional Construindo a Igualdade de Gênero da ONU Mulheres e Presidência da República e do Youth Research Edge Competition da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
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