Giovani Saavedra*
01/03/2023 | 05h00
O debate sobre a responsabilidade social das empresas remonta à década de trinta, quando Adolf Berle e E. Merrick Dodd sustentaram as duas posições, que se tornaram as paradigmáticas e dominantes no debate sobre o tema: de um lado, a percepção de que a empresa deve ter como um propósito de curto prazo focado em apenas gerar lucro para os sócios (shareholders) e, de outro, que a companhia deveria, ao contrário, ter um propósito focado no longo prazo levando em conta não só os interesses dos sócios, mas todas consequências da sua atividade para todos os potenciais afetados do negócio (stakeholders). Essa descrição do debate, naturalmente, simplifica as posições para fins didáticos, mas é suficiente para se perceber o ponto principal: tem as empresas uma responsabilidade social e devem ter consciência dela na sua atuação ou as corporações devem apenas focar em gerar lucro?
Se o debate iniciou na década de trinta com Berle e Dodd, foi Milton Friedman em seu já clássico artigo "The Social Responsibility Of Business Is to Increase Its Profits" ("A Responsabilidade Social dos Negócios é aumentar o lucro") publicado em 13 de setembro de 1970 no The New York Times, que acabou definindo o "tom" do debate pelos quase cinquenta que se seguiram à publicação do artigo.. De fato, por ocasião do aniversário do texto, uma publicação da ProMarket fazendo um balanço do impacto do artigo "50 anos depois" deixa claro que as suas ideias dominaram o debate até meados dos anos 2000, seja no meio acadêmico, seja no meio empresarial. De forma resumida, sua posição, como o próprio título do artigo sugere, é de que empresas não tem responsabilidade alguma além de gerar lucro. Sua posição, na verdade, remonta às teorias clássicas da economia, especialmente aquela defendida por Adam Smith no livro "Riqueza das Nações".
A posição de Friedman começou a perder força nos anos 2000, especialmente, após a crise econômica de 2008. Um exemplo da crescente crítica de sua posição, é o debate entre Milton Friedman, John Mackey e T.J. Rogers promovido pela Reason, em 2005, pouco mais de um ano antes de seu falecimento, portanto. Nesse debate, Mackey argumenta contra Friedman que corporações podem existir para concretizar propósitos outros do que simplesmente a maximização de lucros, mas que a responsabilidade social da empresa não pode ser coagida, deve ser uma decisão voluntária da liderança empreendedora. Oito anos mais tarde, John Mackey sistematizaria suas ideias, apresentadas nesse debate de forma embrionária, no livro "Capitalismo Consciente".
Apesar de a posição de Friedman ter perdido forças nos anos subsequentes, a percepção da necessidade da mudança no âmbito de corporações somente passou a dominar o debate internacional a partir de 2019. Impulsionados pela famosa carta da Black Rock publicada em 2018, que surpreendeu o mercado solicitando que as empresas tivessem um papel mais ativo na proteção do meio ambiente, maior diversidade nas relações de trabalho e na consolidação dos mecanismos de Governança Corporativa, vários organismos internacionais têm sustentado estar-se diante de uma mudança de paradigma na governança de corporações: tanto a U.S. Business Roundtable, a Academia Britânica, assim como o World Economic Forum de 2020 foram taxativos em sustentar que as corporações deveriam orientar suas ações por pautas de ESG, sigla que consolida a preocupação com três eixos importantes: meio ambiente (E - Environment), social (S - Social) e governança (G - Governance).
Esse novo paradigma tem sido chamado de "Capitalismo Stakeholder" e tem como fundamento dois princípios principais, repetidos à exaustão em todos os documentos publicados pelos organismos acima citados: as corporações devem ter um (1) propósito, que deve ser concretizado de maneira (2) sustentável à longo prazo. E segundo o novo paradigma, não se trata aqui de política ou ideologia, como, aliás, Larry Fink deixa claro em sua carta aberta aos CEOs publicada em 2022, entitulada "The Power of Capitalism" (O Poder do Capitalismo): pelo contrário, essa mudança é o próprio capitalismo, dirigido por relações mutuamente benéficas concretizada entre as corporações e seus acionistas com empregados, consumidores, fornecedores e as comunidades das quais seu negócio depende para prosperar. Para ele, esse é o "Poder do Capitalismo".
Não resta dúvidas, portanto, que se está diante de um novo paradigma, mas, para onde ele vai nos levar e se ele vai prosperar em meio a tantos desafios que estamos enfrentando (guerras, epidemias, catástrofes dentre outros) é ainda incerto. O que se pode afirmar é que, talvez pela primeira vez nos últimos 50 anos, está-se diante de uma oportunidade, de uma mudança concreta e eficaz do capitalismo, que parece ser um terreno fértil para mudanças positivas e que desfruta consenso entre os principais players globais do mercado. Agora a tarefa é transformar a utopia em realidade.
*Giovani Saavedra, professor do Mackenzie - SP, doutor em Direito e Filosofia pela Universidade de Frankfurt (Alemanha), mestre em Direito, advogado. Sócio-fundador e Head de Compliance e Direito Digital da Saavedra & Gottschefsky - Sociedade de Advogados
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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