Uma passada de olhos nos indicadores existentes revela que a corrupção é baixa nos países mais ricos, e elevada em países pobres. O ranking de integridade elaborado pela Transparência Internacional, por exemplo, é liderado por países altamente desenvolvidos, como a Dinamarca e a Nova Zelândia, ambos atingindo 87/100, em 2019. No fim da lista estão países em estado de penúria como a Venezuela, o Iêmen, a Síria, o Sudão do Sul e a Somália, a última com apenas 9/100. Na comparação entre regiões, o grupo formado pela Europa Ocidental e a União Europeia registra 66/100 e, no extremo oposto, está a África Subsaariana, com 32/100. O Brasil detém a inglória marca de 35/100, com baixo crescimento econômico, pobreza persistente de milhões de pessoas, e perda de competitividade no cenário internacional.
Há uma raiz comum à corrupção e ao crescimento econômico, que é a qualidade das instituições, isto é, a qualidade das “regras do jogo” político e econômico, como mostram Douglass North, e Darron Acemolgu e James Robinson. Em países pobres e com elevada corrupção, as “regras do jogo” garantem que as oligarquias se perpetuem no poder, se apropriando da riqueza gerada, em detrimento do bem-comum. Já nos países que exibem elevadas rendas per capita e baixa corrupção, as “regras do jogo” são desenhadas visando o bem-estar do maior número de pessoas, promovendo a integridade no trato da coisa pública, e na interação entre os cidadãos e entre as empresas.
Instituições que incentivem a confiança entre as pessoas, as inovações, que estimulem o convívio social e garantam que a lei vale para todos promovem o desenvolvimento sustentado, com baixa corrupção. Ao contrário, quando se cria um emaranhado institucional a partir de leis feitas sob medida para atender interesses individuais, a estrutura de incentivos se torna disfuncional, gerando incerteza, privilégios e rancor. Neste caso, países se tornam presas fáceis da armadilha do baixo crescimento e da corrupção elevada, habitat propício à proliferação de ameaças à democracia. A própria existência da corrupção – o abuso do poder público em benefício privado – atesta que as instituições não estão sendo capazes de preservar o interesse público, e nem de promover o desenvolvimento econômico.
Há vários canais através dos quais ocorre a interação entre economia e corrupção, sendo alguns mais visíveis, como os desperdícios de recursos em grandes obras desnecessárias, mal feitas e superfaturadas, e outros mais sutis, como a expulsão de empresas eficientes e íntegras de obras públicas e do fornecimento de bens e serviços para o governo por não pagarem subornos. Ambos os canais reduzem tanto a produtividade da economia como a qualidade da infraestrutura e do serviço público oferecido à população, afetando todos, mas especialmente os mais vulneráveis que sofrem com a ausência de rede de água e esgoto, de segurança pública, escolas, serviços de saúde, transporte coletivo, etc. Esta assimetria perpetua a injusta desigualdade de renda e de oportunidades que tanto nos envergonha.
Sendo faces da mesma moeda, medidas que promovam o desenvolvimento econômico também resultarão em redução da corrupção, e vice versa. Esta interdependência exige atuação simultânea nas duas frentes: na economia e no combate à corrupção. Sem reduzir a corrupção, boas reformas econômicas ou não serão aprovadas ou serão desvirtuadas com o passar do tempo. Um bom exemplo é a questão tributária. Para atender os interesses de grupos e indivíduos o nosso sistema tributário veio sendo remendado com tanta voracidade que já não guarda testemunho de racionalidade econômica, prejudicando o crescimento da economia. Sua complexidade e opacidade incentivam a sonegação, a compra de mais e mais leis e regulamentos sob medida, e os sucessivos e vergonhosos perdões tributários, que premiam quem não paga imposto.
Estudo do FMI no Fiscal Monitor de abril de 2019 mostra que em comparação feita entre países com níveis semelhantes de renda governos menos corruptos arrecadam 4% do PIB a mais com impostos do que países com níveis mais elevados de corrupção, e destinam mais recursos a gastos sociais. Como aqui a arrecadação tributária é das mais elevadas entre os países da nossa faixa de renda, isto significa que alguns setores vêm arcando com um peso tributário excessivo, comprometendo suas atividades. O sistema tributário disfuncional é um dos fatores mais relevantes a explicar nosso baixo crescimento. É, também, um exemplo repleto de “esperteza” e individualismo que mostra quão distantes estamos do caminho da integridade.
A receita de uma reforma tributária que promova o crescimento econômico e gere um sistema transparente, simples, eficiente e pouco distorcivo é conhecida há tempos, mas a resistência política que enfrenta para a sua aprovação evidencia o tamanho dos interesses que se sentem ameaçados com tal mudança. Não é diferente com a corrupção, a receita para combatê-la é conhecida. São notórios os “hot spots” onde ela ocorre – licitações, obras de infraestrutura, extração de recursos naturais, empresas públicas, etc. Sabe-se da necessidade de um serviço público profissional, meritocrático, transparente e ético, submetido a controle externo e independente, apoiado na digitalização de licitações, leilões, compras, que também traria eficiência ao setor público. Também neste caso os interesses afetados impedem que medidas pertinentes sejam adotadas. Ao mesmo tempo, a eficácia de reformas como as citadas acima depende do bom funcionamento de um Judiciário que seja politicamente independente, que garanta a aplicação eficiente da lei para todos. A sensação de impunidade é a alavanca da proliferação de comportamentos corruptos e da insegurança para os investimentos. Ainda assim, propostas que tornam a justiça mais eficiente também dormem em gavetas do Congresso enquanto aquelas que beneficiam os corruptos são aprovadas a toque de caixa.
Combater a corrupção e promover o desenvolvimento sustentado da economia para nos tirar do labirinto em que nos encontramos exige forte vontade política para que o aprimoramento das “regras do jogo” seja possível. A existência de mecanismos de checks and balances, outrora considerada suficiente para garantir o bom funcionamento das democracias, não tem impedido que o poder econômico e político capture o Estado em detrimento do bem comum. Nosso sistema político tem falhado no cumprimento da sua função primordial que é representar os interesses da coletividade. Está nas mãos da sociedade civil, e da imprensa livre, a continuidade da luta a favor da integridade e do bem comum.
Maria Cristina Pinotti, economista, sócia da A.C. Pastore & Associados e coautora do livro Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas.
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