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A quem serve a regulamentação do lobby?

ANDRÉA CRISTINA OLIVEIRA GOZETTO 15 MAIO 2024 | 5min de leitura

 

Em 2022, tive a honra de atuar como consultora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no Brasil.

 

No âmbito do Projeto Ação Global pela Integridade Corporativa (GABI), com apoio da Siemens Integrity Initiative, desenvolvi uma pesquisa ampla sobre a regulamentação do lobby no Brasil em perspectiva comparada (Brasil, EUA, Canadá e Chile).

 

Foi um trabalho longo e árduo, abrangendo pesquisas de naturezas qualitativa e quantitativa, resultando na elaboração de um Policy Paper onde propomos recomendações legislativas visando o aperfeiçoamento do Projeto de Lei nº 4391/21, que se encontrava em processo de tramitação na Câmara dos Deputados em 2022.

 

Tal projeto já havia recebido parecer no bojo da Comissão de Trabalho, mas como o tempo da academia não acompanha a dinâmica do Advocacy, em agosto de 2022, tudo mudou. Afinal, tudo muda o tempo todo quando se trata de política.

 

Um requerimento de urgência havia sido aprovado, e o Projeto passou a ser apreciado em Plenário. Toda a tramitação via comissões ficou ao largo do processo e novas articulações se iniciaram.

 

Devido a elas, o PL nº 4391/21 foi apensado ao PL nº 1202/07, desapensado e finalmente arquivado. Após 17 versões, o PL nº 1202/07 foi aprovado em novembro de 2022 na Câmara dos Deputados.

 

Alguns perguntarão: todo esse trabalho foi em vão? A resposta é clara: não. A parte qualitativa do trabalho nos permitiu identificar 4 pontos sensíveis a qualquer proposta de regulamentação do lobby. São eles:

 

Escopo regulatório: definir o que é e o que não é representação de interesses é fundamental para a operacionalização eficaz da legislação.

 

Participação e acesso: garantir isonomia de acesso aos grupos de interesses com recursos menos privilegiados às arenas decisórias é um requisito para fomentar a democracia.

 

Transparência: a forma como se coletam e se divulgam as informações sobre os representantes de interesses e os temas que defendem define a utilidade do credenciamento do ponto de vista do escrutínio público. Base de dados aberta e sistema integrado de informações são essenciais.

 

Integridade: as penalidades para agentes públicos e privados devem ser equânimes.

 

Esse é um grande achado e, com certeza, poderá nortear as discussões sobre o PL nº 1202/07, que agora tramita no Senado como PL nº 2914/22 e encontra-se com o relator Senador Izalci Lucas.

 

Já a parte quantitativa configura-se como uma iniciativa inédita no Brasil. A pesquisa “Percepção dos Profissionais de Relações Institucionais e Governamentais a respeito da Regulamentação do Lobby” é resultado de uma análise científica rigorosa que contou com a mobilização profissionais de Relações Institucionais e Governamentais do país, a partir do amplo apoio das entidades representativas do setor.

 

O convite para participar da pesquisa foi enviado tanto para profissionais de RIG quanto para o público satélite. Eles se deram por meio de e-mails, mídias sociais, aplicativos de mensagens e canais oficiais de comunicação interna de associações de relações institucionais e governamentais (Abrig, Instituto Ethos, IRELGOV e RAC). Embora não se conheça as características populacionais dos profissionais de RIG no Brasil, o que impossibilita o delineamento de uma amostra probabilística, essa mobilização captou 222 respostas, 123 pertencentes exclusivamente a profissionais de RIG atuantes.

 

São utilizados, também, dados referentes ao questionário aplicado em 2020 pelo Centro de Estudos Legislativos (Departamento de Ciência Política, UFMG) a uma amostra aleatória estratificada por partidos de 125 deputados da 56ª legislatura. Ambas as pesquisas contam com perguntas e opções de respostas idênticas em seus questionários, de forma a possibilitar uma comparação formal entre elas. Contudo, dadas as diferenças estruturais e metodológicas desses questionários (como extensão, composição das demais perguntas não referentes ao assunto em foco, distância temporal e meios de entrevista), tais comparações devem ser recebidas com reserva.

 

A pesquisa versou acerca de alguns pontos bastante importantes relacionados ao tema:

ser a favor da regulamentação do lobby;

 

acreditar que o lobby influencia muito nas decisões da Câmara dos Deputados;

 

acreditar que uma regulamentação deve contemplar o registro obrigatório dos profissionais de RIG;

 

satisfação com a regulamentação proposta pelo PL nº 4391/2021.

 

Em síntese, os resultados relativos aos profissionais de RIG podem ser descritos da seguinte maneira:

 

Defender a regulamentação do lobby anda lado a lado com o suporte ao registro obrigatório. Ambos são excelentes preditores um do outro;

 

Ser lobista exclusivamente do setor privado não impacta significativamente qualquer opinião referente ao lobby e sua regulamentação;

 

A percepção de que há muita corrupção no Brasil está associada com um imenso acréscimo nas chances de acreditar que o lobby exerce muita influência sobre as decisões da Câmara dos Deputados.

 

Já os achados referentes à comparação entre profissionais de RIG e deputados da 56ª legislatura são:

 

Tanto profissionais de RIG quanto deputados apoiam amplamente a regulamentação;

 

Ser profissional de RIG, em relação aos deputados, aumenta substantivamente a crença de que as atuações do lobby podem influenciar muito uma decisão da Câmara dos Deputados.

 

Os resultados da pesquisa reforçam uma pergunta para a qual venho buscando resposta há anos: se há tanto apoio à regulamentação do lobby, por que sua aprovação se arrasta por mais de 3 décadas?

 

Talvez, quando tivermos clareza sobre a quem serve a regulamentação, essa pergunta possa ser respondida.

 

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

 

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