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A revisão do princípio da anualidade eleitoral

  • Foto do escritor: Instituto Não Aceito Corrupção
    Instituto Não Aceito Corrupção
  • 12 de mar.
  • 4 min de leitura

 

É passada a hora de compreendermos o sistema jurídico – e o eleitoral – como algo mais perene, sólido e confiável, capaz de garantir o pleno exercício da cidadania (para eleitores e candidatos)

 

Por Laura Mendes Amando de Barros

12/03/2025 | 09h20

 

A discussão que vem tomando conta dos meios políticos no Brasil atualmente repete a nada alvissareira pretensão de parlamentares federais alterarem a legislação do país, de forma a conformá-la a seus interesses – de modo, inclusive, a fazer desaparecer, como num passe de mágica, crimes, irregularidades e ilícitos de toda ordem cometidos.

A prática, que acaba por se tornar quase rotina, não apenas desfigura completamente o ordenamento jurídico, com alterações constantes e imprevisíveis, comprometedoras da segurança jurídica, mas também agridem frontalmente os princípios da moralidade, impessoalidade e razoabilidade no desempenho do fundamental mister de Legislar.

Não se pode tomar como minimamente compatível com os valores mais básicos da democracia a ‘invenção’ de diplomas voltados única e exclusivamente à proteção de pessoas publicamente investidas, através do voto, na missão de defender o interesse público e promover o bem comum.

Projetos de perpetuação e domínio do poder não podem ser o ânimo das leis brasileiras...

Em mais uma vexaminosa tentativa de anulação da realidade, com a sublimação de ilícitos perpetrados, está em articulação o PL 141/2023, por meio do qual se pretende a diminuição do prazo de inelegibilidade, aos condenados por atos de abuso de poder político e/ou econômico, de oito para dois anos.

Aprovada a insólita proposta, chegar-se-á ao absurdo de que políticos nesses moldes condenados venham a concorrer ao mesmo cargo já na eleição imediatamente subsequente – como se absolutamente nada houvesse se passado.

Ao que consta, esse seria o grande e verdadeiro mote do projeto: o ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja inelegibilidade até 2023 foi importa pelo TSE em 2023, estaria apto a concorrer à Presidência em 2026, tendo em vista a tese de possibilidade de norma que venha a alterar prazo de inelegibilidade alcanças fatos anteriores à sua edição, consagrada inclusive pelo STF, no âmbito do RE 929.670, das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4578.

A personificação de regimes mais brandos – como se alguns brasileiros, pelo só fato de haverem sido alçados à condição de representantes da sociedade, tivessem o direito a um regime jurídico próprio, mais condescendente e capaz de afastar consequências de ilícitos – foi vista em outras ocasiões, como no julgamento da Ação Penal 927, em que o deputado Cabo Daciolo, que respondia por associação criminosa e diversas ofensas à Lei de Segurança Nacional, teve reconhecida a extinção de sua punibilidade com fundamento em uma lei de anistia de sua autoria, proposta já no curso do processo.

A distorção, personificação, instrumentalização do ordenamento jurídicos para satisfação de interesses pouco republicanos e egoísticos – conforme vimos inclusive na alteração da Lei de Improbidade Administrativa e na EC 133/2024, que anistiou os partidos políticos que haviam ignorado as cotas eleitorais – não pode ser naturalizada, como se fizessem parte, legitimamente, do jogo político.

Nesse particular, o ordenamento vigente tem se mostrado insuficiente, ao menos no que tange ao Legislativo: enquanto o Judiciário vê-se limitado pelos institutos do impedimento e suspeição, e o Executivo submete-se ao regime de vedações ao conflito de interesses e desvio de finalidade, aquele permanece ‘livre’ para atuar em causa própria, ao arrepio dos anseios e necessidades coletivos.

É imperioso – e urgente – que pensemos em salvaguardas (para além daquelas representadas pelo Judiciário, usualmente lançadas a posteriori) para a contenção desse fenômeno de distorção democrática.

Nesse sentido, propõe-se uma revisão do princípio da anualidade inserido por meio da Emenda 45 no artigo 16 da Constituição Federal, segundo o qual “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”

A ideia seria postergar a incidência das alterações na legislação eleitoral não a um, mas a cinco anos após a sua aprovação – como forma de estimular reflexões e escolhas que objetivem efetivamente o aprimoramento do nosso sistema eleitoral, e não a mera satisfação de interesses pessoais, não raro escusos...

Dessa maneira, discussões usualmente açodadas, resumidas a alguns pouquíssimos interessados (no sentido estrito do termo), e sem as reflexões e envolvimento da sociedade indispensáveis à sua legitimidade, darão lugar a mudanças refletidas, amadurecidas com cuidado e foco, no real intuito de aprimoramento do sistema – para além de paixões ou conveniências de momento.

É passada a hora de compreendermos o sistema jurídico – e o eleitoral – como algo mais perene, sólido e confiável, capaz de garantir o pleno exercício da cidadania (para eleitores e candidatos) e de eleições que efetivamente legítimas, idôneas e íntegras.

Evidente que eventual iniciativa nesse sentido teria que passar – justamente – pelo Congresso Nacional.

Mas, em se obtendo intensa e efetiva mobilização popular, os obstáculos podem vir a ser neutralizados – como já pudemos assistir em outras ocasiões, tais como a aprovação da própria Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), cuja iniciativa contou com mais de um milhão e meio de assinaturas.

É o que se espera de uma democracia que se pretende consolidada (ou em processo de consolidação), e de um país que prestigie a legitimidade e os valores públicos.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

 

 
 
 

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