LEOPOLDO UBIRATAN CARREIRO PAGOTTO 15 MAIO 2024 | 4min de leitura
No final do ano de 2023, a FATF (Financial Action Task Force), uma organização internacional dedicada ao combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, divulgou sua avaliação sobre o Brasil, reconhecendo os esforços significativos que o país tem empreendido nessa seara. Contudo, o relatório também apontou algumas deficiências que precisam ser corrigidas para aprimorar o quadro normativo e institucional brasileiro nessa área específica.
Entre as áreas de melhoria identificadas, o relatório da FATF destacou uma preocupação particular com a postura adotada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em relação a casos de suspeita de envolvimento de advogados em atividades relacionadas à lavagem de dinheiro. O relatório da FATF sugere que a postura da OAB poderia ser interpretada como “conservadora”, especialmente no que diz respeito à reação diante de alegações envolvendo lavagem de dinheiro ou condutas passadas questionáveis por parte de membros da advocacia. Essa temática não é nova e está na pauta de debates em vários países – inclusive, ela já havia sido levantada anteriormente em um webinário realizado em 2020 pelo FGV Ethics, o centro de estudos da Fundação Getúlio Vargas dedicado à ética, durante o qual se discutiu a necessidade de regulamentação mais clara e abrangente sobre esse tema.
O relatório da FATF igualmente apontou a ausência de sanções efetivas por parte das instituições da advocacia contra advogados envolvidos em práticas de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo, destacando que não há registros de advogados que tenham perdido suas licenças de advocacia devido a tais infrações. O próprio Estatuto da OAB prevê a possibilidade de cassação do registro para aquele profissional que praticar crime infamante – em outras palavras, a possibilidade teórica existe, mas nunca foi exercida. Essa falta de ação pode ser vista como preocupante, especialmente à luz dos relatos na mídia sobre advogados supostamente envolvidos em corrupção e lavagem de dinheiro.
Os últimos 15 anos revelaram que alguns advogados não respeitam os limites estabelecidos pelo Estatuto da Advocacia, tornando-se verdadeiros sócios de seus clientes em práticas ilícitas, o que é vedado pelo Código de Ética. Essa situação evidencia uma lacuna significativa no ensino de ética profissional no país, com muitos profissionais desconhecendo ou ignorando as regras que regem sua conduta ética e legal.
A interação da advocacia com questões de corrupção se dá em duas frentes distintas: por um lado, os advogados atuam na defesa dos interesses dos acusados dentro dos parâmetros do devido processo legal; por outro lado, eles também desempenham um papel importante na identificação e mitigação dos riscos de corrupção, colaborando com investigações e promovendo práticas de compliance. O relatório da FATF não critica essas atividades em si, as quais constituem elemento normal de qualquer sistema jurídico saudável – o objeto da crítica residente precisamente na falta de medidas punitivas contra advogados que violam as normas éticas e legais.
Paradoxalmente, os próprios advogados, especialmente os que atuam na defesa criminal e administrativa, são os mais afetados pelos efeitos negativos da postura inerte das instituições da advocacia. A desconfiança das autoridades na integridade dos advogados aumenta a frequência e a virulência das violações das prerrogativas profissionais por parte das autoridades, enfraquecendo o papel fundamental da advocacia na defesa do Estado de Direito e da democracia.
Como disse um personagem de histórias em quadrinhos, “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”. Como “o advogado é indispensável à administração da justiça”, ele se torna “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão” nos termos do artigo 133 da Constituição da República – assim, estas prerrogativas demandam um comportamento ético e responsável condizente por parte dos seus membros. Uma postura “conservadora” das instituições da advocacia não apenas prejudica a imagem da profissão, mas também subverte os fundamentos democráticos do país. Até mesmo para preservar a independência profissional e institucional, a OAB deve tomar as medidas adequadas para endereçar esta inação.
Diante desse contexto desafiador, o ano de 2024 se apresenta como uma oportunidade crucial para a advocacia brasileira. As eleições nas seccionais da OAB em todas as unidades da federação proporcionarão uma plataforma para os candidatos discutirem e apresentarem propostas concretas para lidar com esses desafios relacionados ao combate à lavagem de dinheiro e à prevenção do terrorismo. Ignorar essas questões não fará com que desapareçam; pelo contrário, é essencial enfrentá-las de frente, com seriedade e compromisso, visando fortalecer os pilares éticos e legais da advocacia e, por consequência, da democracia brasileira.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica
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