Bolsonaro diante da lei e das redes sociais
- Instituto Não Aceito Corrupção
- 6 de ago.
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O problema que emerge do justo e formalmente correto decreto da prisão do ex-presidente é a narrativa de martírio político
Por
Roberto Livianu
06/08/2025 00h05
A situação do ex-presidente Jair Bolsonaro é extremamente crítica diante das provas reunidas pelo STF no processo criminal que lhe é movido por violação da ordem democrática. Sua condenação é iminente. Seus advogados obviamente já o alertaram a esse respeito. A pena, diante da gravidade dos crimes a ele imputados, será alta, além de ele já estar inelegível por oito anos, portanto fora da corrida eleitoral de 2026.
Diante desse quadro extremamente agudo, Bolsonaro deve ter feito a leitura do jogo político no sentido de que seu tempo está se esgotando, como numa partida de futebol aos 40 minutos do segundo tempo. Cavou o pênalti, violando as restrições estabelecidas pelo STF ao determinar o uso de tornozeleira eletrônica.
No ano passado, num debate da campanha pela Prefeitura de São Paulo, o candidato Pablo Marçal, minutos após receber uma cadeirada do candidato José Luiz Datena, estava recomposto e pronto para retomar a discussão, quando um assessor sugeriu que seria mais conveniente do ponto de vista das redes ele criar a versão do homem ferido. Repentinamente, Marçal pediu cadeira de rodas e fingiu precisar de oxigênio numa ambulância. Foi outra espécie de pênalti cavado; o teatro sórdido da política em mais um triste episódio.
No último fim de semana, o grupo político de Jair Bolsonaro fez uma manifestação e, para driblar a vedação estabelecida ao uso das redes sociais, ele participou do ato remotamente por meio do celular de Flávio Bolsonaro, sendo certo que a comunicação com os filhos também havia sido bloqueada judicialmente. Bolsonaro, consciente, dolosa e deliberadamente, esticou a corda com o objetivo de ameaçar e constranger o Supremo.
Moraes obviamente teve percepção disso, e a omissão significaria o endosso e a complacência do Poder Judiciário. Seria um sinal de fragilidade da Corte diante da atitude pusilânime de um réu, algo inadmissível, sob pena de colocar em xeque a própria independência judicial — indisponível e absolutamente inegociável, assim como a soberania nacional.
O problema que emerge do justo e formalmente correto decreto da prisão domiciliar de Bolsonaro é a narrativa de martírio político que se pretendia construir desde a provocação por ocasião da decisão. Por mais historicamente danoso que tenha sido o mandato de Bolsonaro para o combate à corrupção, com o sucateamento da Lei de Improbidade e o desmonte da Lava-Jato sem colocar nada no lugar, garantindo impunidade por lei, por mais graves que tenham sido seus atos contra a democracia, pretende-se ardilosamente reforçar a tese de que ele é perseguido implacavelmente por Moraes, de que seria um alvo seletivo.
E, por mais que tenhamos toneladas de provas documentadas processualmente, observada ampla defesa e o devido processo legal, vivemos os tempos da lacração e dos cancelamentos virtuais, em que os números dos algoritmos pautam os rumos da vida numa série de aspectos. Parece mais valer a versão que o fato. Quem vencerá a guerra de versões?
*Roberto Livianu, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, é doutor em Direito Penal pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e integrante da Academia Paulista de Letras Jurídicas
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