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Corrupção continua sendo crime

Daniel Lança e Felipe Mello*


Reflexões preliminares sobre o caso das lojas Americanas


As consequências para a vida profissional no direito, diante das questões éticas dos clientes


*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC)


Pergunte a algum conhecido que trabalhou para grupos empresariais envolvidos em acusações de fraude corporativa sobre as consequências dessa experiência para sua vida profissional. É possível que você escute relatos de profissionais que não estavam envolvidos no esquema que ainda sofrem com a desconfiança daqueles a sua volta.


Pergunte também sobre a experiência de investidores que tiveram parte do seu capital evaporado de uma hora para outra, por responsabilidade de administradores que intencionalmente criaram lucro contábil para bater metas e receber bônus no final do ano.


A busca a qualquer custo por resultados financeiros em empresas, principalmente nas de capital aberto, tem deixado suas vítimas no Brasil e no exterior.


Infelizmente o caso da vez é a Americanas S.A., que comunicou por meio de fato relevante, publicado no dia 13 de junho de 2023, a indicação que "as demonstrações financeiras da Companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas".


Em outro fato relevante, publicado em 14 de junho de 2023, a empresa apresentou um resumo apontando que "no que diz respeito aos resultados da Companhia ao longo do tempo, a fraude descrita ajudou a incrementá-lo em R$ 25,3 bilhões".


São muitas ainda as perguntas sem respostas, que vão desde o desenho até a operacionalização da fraude, passando pelas linhas de controles internos, pela supervisão do conselho de administração e pela revisão das firmas de auditoria independente.


Podemos esperar ainda por algum tempo para que os investigadores consigam compreender todos os mecanismos utilizados e seus operadores.


Uma fraude contábil que infla os resultados de uma empresa de capital aberto favorece principalmente os acionistas controladores e seus executivos.


Uma fraude desse tipo pode levar à valorização das ações a curto prazo, maiores pagamentos de dividendos, barateamento da captação de recursos financeiros, aumentos de salários e pagamentos de bônus por desempenho.


A Americanas não esconde a sua obsessão por resultados. Um dos sete valores exibidos publicamente no Código de Conduta da Americanas, que abrange todos os seus associados, é "ser obcecado por resultados".


Esse Código define que "todos os associados da Americanas devem agir de acordo com o Código de Ética e Conduta em seu relacionamento com colegas de trabalho, clientes, fornecedores, governo e sociedade". O documento também traz a necessidade de reflexão ética nas ações de seus associados.


A obsessão pode levar a alguns vieses perigosos quando decisões éticas, sobre certo e errado, são necessárias. A obsessão de um grupo por um objetivo ou ideia pode levar a dinâmicas desequilibradas.


Ela pode resultar em comportamentos extremos, falta de razoabilidade, alienação de pessoas com perspectivas diferentes, e em alguns casos, pode levar a comportamentos perigosos e criminais para alcançar objetivos.


Quando uma empresa coloca a obsessão por resultados acima de tudo, ela arrisca sacrificar a integridade e a transparência em prol de números inflados.


Os sinais de alerta geralmente estão presentes mediante pressões para atingir metas inatingíveis, incentivos financeiros desproporcionais, cultura organizacional que desencoraja questionamentos e denúncias.


É fundamental que controladores, investidores, conselheiros independentes, líderes e colaboradores estejam atentos a esses sinais e sejam agentes de mudança, evitando a normalização de práticas fraudulentas.


Para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ), uma das principais características da implementação efetiva de um programa de compliance é estabelecer incentivos para estar conforme as leis, normas e regras.


Os critérios de avaliação dos executivos e as metas que influenciam o pagamento de bônus deveriam ser apresentados de forma transparente em documentos públicos como os relatórios de sustentabilidade e os formulários de referência.


Nos documentos públicos recentes da Americanas é possível identificar que, para pagamento de bônus executivos, "os critérios de destaque são: EBITDA, Satisfação do Cliente, Volume de Vendas, Despesas, como também indicadores operacionais específicos dos administradores".


Além disso, é essencial que as empresas invistam na criação de mecanismos efetivos de controle interno e auditoria, para detectar e prevenir fraudes contábeis.


A transparência nas demonstrações financeiras, aliada a uma cultura de prestação de contas, é fundamental para garantir a confiança dos investidores e acionistas.


A autonomia dos órgãos de controle, investigação e compliance é sempre fator relevante ressaltado pelas diretrizes do Brasil e do exterior.


No caso da Americanas, a empresa informa em seus documentos públicos que "as áreas de controle são subordinadas operacionalmente às Diretorias Estatutárias da Companhia e pelo menos uma vez por ano, os riscos prioritários e seus planos de mitigação são reportados e discutidos junto ao Conselho de Administração e ao Comitê de Auditoria".


Nos casos em que as Diretorias Estatutárias estão envolvidas em fraude, a subordinação da auditoria interna a essas diretorias pode limitar a sua autonomia para levantar preocupações ao Conselho de Administração e ao Comitê de Auditoria.


É recomendável também que a composição do comitê de auditoria seja trocada periodicamente para promover a imparcialidade, independência, renovação de habilidades e conhecimentos, prevenção de conflitos de interesse, e estímulo à prestação de contas.


Os documentos públicos da Americanas demonstram que a empresa tem um comitê de auditoria formado unicamente por membros independentes, o que é muito positivo para a governança corporativa.


Entretanto, há casos de renovações consecutivas de mandatos, que a enfraquece.


A obsessão por resultados não deve ser confundida com a busca por excelência e desempenho. É possível estabelecer metas ambiciosas e buscar o crescimento e a rentabilidade sem comprometer a ética e a legalidade.


É necessário um equilíbrio saudável entre a busca por resultados e a adoção de práticas corretas. A investigação de fraude contábil na empresa que valorizava a obsessão por resultados serve como um alerta para todas as empresas.


Ela nos lembra da importância de construir uma cultura organizacional baseada em valores éticos sólidos, onde a integridade e a transparência sejam prioridades.


As empresas e grupos obcecados devem buscar ajuda profissional para evitar o próprio sofrimento e o de suas partes interessadas, principalmente aquelas partes mais vulneráveis como os investidores minoritários e os funcionários sem relação nenhuma com os esquemas que padecerão com a associação negativa da imagem da empresa.


*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC).


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção.


Esta coluna é uma parceria entre o SBT News e o Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação quinzenal.


* Felipe Mello é graduado em Ciências Contábeis (UERJ) e Finanças (IBMEC), mestre em Compliance (Universidad Camilo Jose Cela - Espanha), Diretor Global de Ética Empresarial da AngloAmerican | Linkedin


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