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Em defesa de Maquiavel

Celso Mori*

09 de novembro de 2022 | 05h00


Há um preconceito historicamente difundido, pelo qual aqueles que nunca leram Maquiavel atribuem a ele a culpa pela crença generalizada de que ética e política não combinam. E, como nessa perspectiva os fins justificariam os meios, em política valeria tudo, especialmente a corrupção.


A corrupção faz parte da natureza humana, dentro dos princípios de que somos movidos pela lei do mínimo esforço, buscando sempre os maiores resultados com o menor consumo de energia possível. E somos, já dizia Freud, movidos pelo princípio do prazer. Sem ir aos pormenores desse princípio, se pode afirmar que buscamos instintivamente o que nos dá a sensação de alegre realização dos nossos desejos. O que nos move são as nossas emoções. Confira-se a etimologia do vocábulo: e-movere.


Acho importante admitirmos essas realidades da vida, porque somos feitos de virtudes e de vícios e jamais combateremos os vícios que não admitimos que temos. O câncer, a tuberculose, a hipertensão e várias outras mazelas também fazem parte da natureza humana, mas isso não significa que não devamos combatê-los. Se não os combatermos, roubam as nossas energias e nos destroem.


A corrupção é a busca de atalhos ilegítimos para obter, com o mínimo esforço, os melhores resultados que só seriam alcançados com percursos mais longos e penosos. E, talvez nem fossem alcançados. A ética prevê comportamentos sociais de responsabilidade e preocupação com o bem comum. De tal forma que aquilo que se conquista para satisfação do princípio do prazer exige quase sempre um longo trajeto de esforços e sacrifícios. Corrupção é a ruptura desse trajeto, com violação das regras de convivência social.


O excessivo individualismo leva ao egoísmo e estimula a corrupção. O indivíduo busca só o que é bom para si mesmo e dane-se o mundo. As personalidades equilibradas entre os prazeres individuais, a satisfação coletiva e a realização do bem comum tenderão a evitar e recriminar a corrupção, pelo altíssimo custo social dela. As sociedades corruptas são pobres e subdesenvolvidas.


Temos diferentes níveis de tolerância com corrupção na nossa convivência social. O ser humano é crítico com a corrupção alheia, mas quase sempre acha uma desculpa para justificar a própria corrupção. Frauda o Imposto de Renda, mas diz que a culpa é do governo que gasta mal o que arrecada. A corrupção, em razão de fatores culturais históricos, conta com a tolerância social relativamente alta. Aqueles que ostentam alto padrão de vida adquirido por meios ilícitos raramente são recriminados em seus círculos de amizades e afetos. Ao contrário, são muitas vezes aplaudidos como aqueles que venceram na vida. Desde que não sejamos diretamente afetados, não nos incomoda ter amigos corruptos. Na política o candidato corrupto, de ideologia diversa daquela do eleitor, é ladrão. O candidato corrupto da mesma ideologia do eleitor é inocente. Parte-se do absurdo preconceito de que todo político é corrupto. O que muitas vezes afasta da atividade política homens e mulheres honestos.


De modo geral, os países com baixo nível de educação cívica, com instituições fracas e desprezo pelo cumprimento da lei e dos contratos, eufemisticamente chamados de países em desenvolvimento, têm alto nível de tolerância com a corrupção na vida pessoal, na administração pública, e na carreira dos políticos.


Para evitar esse trauma, só resta batalhar pela educação cívica da população.


Mas, isso não é culpa de Maquiavel. O que este pregava é que o Príncipe, para conquistar e manter o poder deve buscar aquilo que lhe pareça melhor para agradar ou atemorizar a maioria, ainda que tenha que fazer grandes injustiças com indivíduos ou com algumas comunidades. Maquiavel distinguia entre a prática do bem por aqueles que pretendessem salvar sua alma, e a prática do que considerava necessário por aqueles que pretendessem adquirir ou conservar o poder político. Dessa forma de pensar os seus detratores concluíram que para Maquiavel os fins justificariam os meios em qualquer circunstância. Coisa que Maquiavel nunca disse. Nunca disse que a política fosse uma atividade sem ética. O que ele sustentava era que a ética da política era diferente da ética religiosa.


Mesmo argumentando em favor de uma ética peculiar para o exercício do poder pelos governantes, Maquiavel combatia a corrupção, que via como uma doença social grave. A respeito da corrupção dos governantes, Maquiavel disse o seguinte:


“Portanto, um Príncipe deve gastar pouco para não ser obrigado a roubar os súditos; para poder defender-se; para não se empobrecer, tornando-se desprezível; para não ser forçado a tornar-se rapace.” (Nicolau Maquiavel. “ O Principe”)


Também se encontram em diferentes textos de Maquiavel severas críticas à corrupção daqueles que se encontravam sob as ordens do Príncipe:


“E embora a corrupção nela seja grande, debelai agora essa doença que nos aflige, essa raiva que nos consome, esse veneno que nos mata; e não imputeis as antigas desordens à natureza dos homens, mas aos tempos; e, como estes mudaram, podeis esperar melhor fortuna para a vossa cidade, por meio de melhores ordenações. A maldade da fortuna pode ser vencida com a prudência, pondo-se freio à ambição desses homens, anulando-se as ordenações que alimentam as facções e prendendo aqueles que não estão em conformidade com a verdadeira vida livre e civil”. (Nicolau Maquiavel, “História de Florença”)


Embora a corrupção, como todos os vícios da natureza humana, seja algo que nunca termina e precisa ser combatida todos os dias, não se pode e não se deve imaginar que seja um mal sem remédio. Pode ser substancialmente reduzida. Cada cidadão ou cidadã pode tomar a decisão de não ser corrupto. E, os movimentos sociais podem ser organizar em combate à corrupção. Quando a sociedade se comportar em padrões éticos, os políticos, que afinal representam a sociedade, estarão se pautando pelos mesmos valores.


*Celso Cintra Mori é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados. Membro do Conselho do Instituto dos Advogados de São Paulo (ex-vice-presidente). Ex-conselheiro da AASP – Associação dos Advogados de São Paulo e da secção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil. Ex-presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


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