top of page
  • Foto do escritorInstituto Não Aceito Corrupção

Escandalosos gastos públicos no cartão

Por Roberto N. P. Di Cillo*

24/04/2023 | 05h00


"No crédito ou no débito?" Há perguntas mais elaboradas que precisam ser respondidas antes com relação ao uso de cartões corporativos por agentes públicos: qual a justificativa do gasto e quem autorizou? E como a autorização está documentada e qual a transparência que será dada?


Será que cartões corporativos disponibilizados a agentes públicos federais, por exemplo, podem ser físicos ou eles podem ser, também, virtuais, para compras e pagamentos online? Como controlar o uso?


A norma ainda está em construção. A sociedade civil pode e deve cobrar uma posição de seus representantes no Executivo e no Legislativo, ainda que não tenha votado especificamente em quem foi eleito ou eleita.


Afinal, é o dinheiro dos nossos tributos que está sendo usado e os e as representantes, do Executivo e do Legislativo, agem em nome de todas e todos.


Poucas vezes na história da República ficou tão claro que há uma confusão gigante entre o que é público e o que pode ser privado, assim como que o papel de agente público é servir, não ser servido.


Há muito mais do que cartões na questão, mas melhor focar neles agora.


Qual o sentido de permitir gastos na função débito por portadores de cartão da Presidência da República, por exemplo, ou até de consulados e embaixadas do Brasil no Exterior?


Saques, então, um absurdo indescritível, precisam ser banidos definitivamente, ainda que não tenham sido mais feitos, pelo que já repercutiu nas mídias.


E não é só isso. Uma boa e necessária medida seria a de permitir o acesso público aos dados dos gastos em tempo real. Definitivamente não é o caso de ficar esperando que integrante do Congresso peça informações sobre quem são os portadores de cartões, como aconteceu no início do governo anterior.


O Portal da Transparência da União está, agora, permitindo a análise de planilhas. Planilhas são úteis, mas estão longe de serem suficientes.


Quais dados foram divulgados? Data de cada pagamento, CPF parcial do(a) portador(a), CNPJ ou CPF do fornecedor, nome do(a) fornecedor(a), valor, tipo de transação (isto é, crédito ou débito), a que se refere o pagamento, de uma ampla gama de categorias até agora permitidas. E são demais.


Toda a informação faltante vem sendo verificada manualmente pela imprensa e por cidadãos e cidadãs.


Está aí a primeira oportunidade de melhoria: organizar as informações de uma forma mais fácil de visualizar, com mais dados e disponibilizá-las ao público em geral, inclusive que para as informações possam ser lidas sem barreiras eletrônicas por sistemas de due diligence.


Faz todo sentido começar a partir das despesas de 2023, daqui para o futuro, e criar uma cultura de transparência sobre as informações que venham. E, daí, se atender o melhor interesse público, caberia expandir para os anos anteriores.


E o que mais se deveria fazer para melhorar um sistema que gera tantas desconfianças imediatamente, com toda a razão?


O tema categoria de despesa é um que deveria despontar como um dos essenciais desde já.


Pagamentos em cartão corporativo de hotéis, refeições e combustíveis durante férias dos agentes deveriam ser terminantemente proibidos, ou pelo menos limitados monetariamente para que escoltas razoáveis possam ser hospedadas, alimentadas e possam se locomover.


De igual forma, agregados a escoltas oficiais para desejar a eventual agente público hospitalizado um pronto restabelecimento em tempos de comunicação fácil e até grátis online, às custas do contribuinte, também precisam ser limitadas, senão terminantemente proibidas. Afinal, se é o caso de convalescência, é o caso de permiti-la.


Claro que faria falta definir o que é razoabilidade na definição de escoltas, por exemplo Presidencial, em qualquer dos casos. E é algo que precisaria ter alguma flexibilidade para situações excepcionais, com mecanismo de aprovação por pessoa com suficiente independência, talvez até por uma comissão com participação cidadã, mas ainda assim alguma limitação clara precisa ser criada, seja ela do número de pessoas, seja de valores que poderão ser gastos.


O custeio, por cartão corporativo, de qualquer evento de campanha eleitoral também precisa ser banido para sempre.


Outro ponto crucial seria uma transparência maior na escolha de quem devem ser os portadores as portadoras dos cartões, inclusive quais critérios são utilizados e como eles devem ser documentados. A verificação de antecedentes torna-se muito importante aí.

Além disso e naturalmente, portadores e portadoras não podem ser os próprios fiscais. Deve-se criar, inclusive, uma função de fiscal (a tal função de "compliance" ou auditoria interna), com independência funcional e orçamentária razoáveis.


Caberia aos fiscais, por exemplo, diligenciarem para que cartões corporativos não sirvam para burlar princípios que regem licitações, ainda que processos de licitações possam eventualmente falhar.


O direcionamento pessoal a um ou outro fornecedor, com pagamento por cartão, pode violar o princípio da impessoalidade, que todo e toda agente tem o dever de observar.


Por fim, como ficaria um fornecedor que desavisadamente tenha entregado bens ou serviços e não possa ser pago em virtude das restrições aqui sugeridas? Se o cartão estiver parametrizado e não passar, o prejuízo será do fornecedor ou fornecedora.


Ainda que ninguém possa se furtar de cumprir uma eventual lei que entre em vigor por desconhecimento, seria justo com potenciais fornecedores que participassem da construção de lei desde sua eventual discussão no Congresso, sendo sensibilizados de tempos em tempos sobre seu conteúdo, direitos e obrigações, fazendo-se necessário que uma eficiente campanha de comunicação seja pensada e implementada para esse público.


Falta uma lei específica então? Talvez, tanto quanto pode faltar vontade política, que costuma ser flexível e se dobrar a pressões adequadas da sociedade civil. Basta lembrar de 2013, quando foram sancionadas a lei de conflitos de interesses, a lei das organizações criminosas e a lei da empresa limpa.


*Roberto N. P. Di Cillo, advogado, graduado pela Universidade de São Paulo, LLM pela University of Notre Dame, professor de pós-graduação, palestrante, autor de diversos artigos sobre temas de governança, vice-presidente das Comissões de Governança e Integridade e de Liberdade de Imprensa da OAB-SP


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


4 visualizações0 comentário
bottom of page