A Lava Jato representou o principal fenômeno jurídico e político do Brasil na década de 2010. Suas repercussões econômicas ainda são profundamente sentidas no mercado e o atual governo é resultado direto dessa operação. Mas se vivemos a era do lavajatismo, dos paradoxos e da crença de uma grande virada, o que vem agora? Um retorno ao, digamos, velho normal? Justamente agora, que temos o desafio de enfrentar a pandemia e garantir um ambiente regulatório racional e previsível para atrair investimentos? Afinal, na era pós Lava Jato, com uma nova dinâmica de mercado e novos players, sem infraestrutura e confiança não haverá a retomada do crescimento econômico que o país tanto precisa.
A Lei Anticorrupção de 2013 e os avanços trazidos com a Lava-Jato estão longe de ser suficientes para combater o câncer da corrupção no Estado brasileiro, o qual ainda se encontra infectado com um estado de coisas onde ainda prevalece a falta de ética como lubrificante para as relações com o mercado. Entretanto, não podemos deixar de registrar as importantes conquistas e ferramentas voltadas à minoração dos crimes contra a administração pública que chegaram para ficar, a exemplo da hipertrofia dos programas de compliance na seara privada.
O compliance passou a ser uma realidade no ambiente corporativo e a integrar cada vez mais a dinâmica dos negócios. Se antes da Lava Jato o termo compliance era pouco conhecido, se no início havia uma tendência de programas meramente formais ou de fachada, hoje os parâmetros e indicadores para a sua efetividade são mais claros e passaram a ser mais exigidos pelo mercado, inclusive no setor de infraestrutura. Isso robustece os sistemas de controle interno de diversas empresas pertencentes aos mais variados segmentos a adotar boas práticas para prosseguir atuando com o setor público.
Embora a Lei Anticorrupção Brasileira não tenha proporcionado em seus quase 8 anos de vigência o efeito de reduzir a percepção da corrupção no país, conforme os últimos índices divulgados pela Transparência Internacional, a vigência da norma foi importante para o aperfeiçoamento de nosso sistema preventivo e repressivo de crimes contra a administração pública. Parece uma contradição: elogiar a lei quando as evidências empíricas são de retrocesso. De fato, mas não há como esperar que em meio a um sistema mergulhado na ausência de ética, a mera promulgação de uma lei fosse capaz de mudar uma realidade que perdura há séculos. Além de normas, precisamos investir em educação e na construção de uma cultura de integridade para deixarmos de ocupar nossas posições abaixo da média dos BRICS, da média regional para América Latina e Caribe, isso sem falar o quanto nos distanciamos do G20 quando se trata de combate à corrupção.
Longe de ter banido a corrupção e que não possa ser examinada nos limites da Constituição Federal para o aperfeiçoamento das instituições, a Lava Jato foi importante à medida que revelou ao país uma doença sistêmica, transformou intocáveis poderosos em réus e contribuiu na construção de uma cultura de integridade. Não se pode contestar, por exemplo, os grandes avanços do programa de integridade da Petrobras nos últimos anos e o seu impacto na cadeia produtiva. Da mesma forma, o aperfeiçoamento do sistema de governança, riscos e compliance da companhia que, ao lado da Lei das Estatais de 2016, estão sendo testados ao limite nas últimas semanas em razão das tentativas de interferências políticas na estatal.
“Você tem o poder de mudar o mundo com os seus investimentos”. A frase concebida pelo J.P. Morgan, um dos maiores bancos de investimento do mundo, acena para os chamados investimentos ESG, cuja sigla enuncia o início das palavras inglesas environmental, social e governance, assim como por ações coletivas de integridade no setor de engenharia e construção, tais como as empreendidas pelo Pacto Global da ONU. A lógica dos investimentos em infraestrutura se transformou nos últimos anos. Sustentabilidade passa a ser a palavra de ordem.
O fim da Lava Jato, portanto, não pode ser considerado um retorno ao velho normal para o setor de infraestrutura. Se antes da operação poucas empresas tinham um programa de compliance, hoje quase todas têm; e as que não tiverem em breve já não poderão contratar com o poder público, pois só falta o presidente sancionar o PL 4253/2020 para o compliance se transformar numa exigência nas contratações administrativas. A Lava Jato amplificou um caminho sem volta. Cada vez mais o mercado busca previsibilidade nos negócios e a falta de uma boa gestão de riscos, sobretudo de integridade, tem levado as empresas perderem o seu valor e a sucumbirem. Não há dúvidas: Empresas éticas valem mais.
Rodrigo de Pinho Bertoccelli, advogado, professor e diretor no Instituto Não Aceito Corrupção.
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