O Brasil integra desde 2011 o fórum internacional “Parceria para o governo aberto” (Open Government Partnership – OGP), do qual é membro fundador, e que reúne países para compartilhar experiências de governo aberto. Mas o que é governo aberto? Esse texto busca trazer uma reflexão sobre esse conceito, confrontando a abertura governamental com casos de imposição de sigilo para informações relevantes para o país.
Segundo a OGP, o governo aberto é definido por: transparência, prestação de contas, participação e inovação. É uma postura governamental de incentivo para que o governo dê publicidade às suas ações, permitindo que a população tenha acesso a diversos dados e atos governamentais, inclusive por meios tecnológicos (BRASIL, 2020).
Para fazer parte desta parceria, os países precisam apresentar planos de ação periodicamente. Tais planos apresentam compromissos que o país se propõe a cumprir, reforçando o propósito de que um governo seja transparente e atento às demandas da população. (BRASIL, 2022).
O Brasil adotou diversas iniciativas a partir dos objetivos que assumiu, e que se revelaram promissoras em função desta parceria. A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgou recentemente um relatório avaliando todo esse processo e destacou algumas medidas satisfatórias: política nacional de governo aberto, que estabelece um comitê interministerial (CIGA) coordenado pela CGU; existência de política de dados abertos (Dec. 8777/2016); plataformas que contribuem para participação (Participa Mais Brasil) e para o acesso à informação (FalaBR); cursos sobre o tema para servidores e para a população disponibilizados pela Escola Nacional de Administração Pública; painéis de monitoramento da implementação das políticas de governo aberto; programa Time Brasil para capacitar servidores dos estados e municípios sobre transparência, dentre outras (OCDE, 2022).
Tais medidas são exemplos do caminho normativo e institucional em que o país avançou. No entanto, há comportamentos governamentais que não dialogam com essa perspectiva, e que vêm se revelando a cada “escândalo” em que há indícios de práticas escusas. É o caso dos chamados “sigilos de 100 anos”. Importa dizer que “existem determinadas situações em que o sigilo não está apenas previsto, mas é também bastante desejável. […] Entretanto, os últimos 3 anos foram marcados por reiteradas situações em que o sigilo foi banalizado no Brasil” (ARTIGO 19, 2022, p. 31).
Como mencionado, o objetivo deste texto é chamar atenção sobre o comportamento que diz respeito à restrição do acesso à informação para a população. Diante disso, quais são esses casos de sigilo? Uma primeira resposta se refere às informações classificadas (art. 23, LAI), que obedecem a critérios para serem reservadas, secretas, ultrassecretas – o que não é objeto de análise neste artigo; e há o sigilo de 100 anos (art. 31, LAI), que não segue aqueles critérios. Sobre este último, trata-se de uma prática que tem se repetido em alguns órgãos ou entidades, podendo-se citar sua imposição sobre:
– reuniões entre o Presidente da República e pastores envolvidos no escândalo do Ministério da Educação;
– processo administrativo referente ao ex-ministro Eduardo Pazuello por participar de manifestações políticas vedadas a militares da ativa;
– crachás dos filhos do Presidente;
– caso Genivaldo, morto em um carro da Polícia Rodoviária Federal (PRF). (ANGELO, 2022; ARTIGO 19, 2022).
Após a repercussão e a manifestação de órgãos (como a CGU), alguns desses sigilos foram retirados. Mas quais seriam os fundamentos oficialmente alegados para essas medidas? Como resposta, apresenta-se o art. 31, §1º, I da LAI, que estabelece o prazo de 100 anos de restrição a acesso a dados que contenham informações pessoais (relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem); e os arts. 6º e 7º da LGPD, que especificam o tratamento de informações pessoais (ANGELO, 2022).
Esses decretos de sigilo podem ter seus fundamentos questionados com o argumento de que se tratam de pessoas no exercício de suas funções públicas, e que têm o dever de transparência. Assim, questiona-se: estariam adaptando o alcance das mencionadas leis com qual finalidade? Por que esse mecanismo tem sido utilizado? Especialistas apontam para os ganhos políticos e pessoais, e o mau uso da LGPD para negar o acesso a tais dados (ARTIGO 19, 2022).
Nesse cenário, dados públicos ficam com acesso prejudicado. Vale lembrar que uma das características de um regime democrático é a transparência de informações públicas. E que a abertura governamental é um instrumento para que o direito de acesso à informação se concretize. Diante desse movimento de imposição de sigilo, portanto, em contraponto com os princípios de um governo aberto, outras perguntas se levantam: se o governo é aberto, mas tem ações questionáveis de imposição de sigilo, então, o governo é aberto para quem? É importante observar qual é a resposta diante desses escândalos: sigilo ou transparência?
Murilo Borsio Bataglia, professor da Universidade de Brasília (CEAM/IPOL/UnB). Doutorando e mestre em Direito pela UnB (PPGD/UnB)
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
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