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Nepotismo nas veias

  • Foto do escritor: Instituto Não Aceito Corrupção
    Instituto Não Aceito Corrupção
  • 24 de abr.
  • 3 min de leitura

É plausível afirmar que a degradação do ambiente democrático nos conduz à deterioração do controle da corrupção

 

Por 

Roberto Livianu

24/04/2025 00h05  Atualizado há 9 horas


O artigo 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 assegurava à sociedade o direito de pedir contas a todo agente público por sua administração. São as origens mais remotas do princípio da publicidade no âmbito da Administração Pública.

 

Até poucas décadas, prevaleceu, por mais incrível que possa parecer, a hoje sabidamente anacrônica Teoria da Graxa (Grease Theory), segundo a qual são necessárias sempre certas doses de corrupção para movimentar as engrenagens da economia. Esse raciocínio esdrúxulo poderia ser articulado até mesmo em favor da função social do tráfico de pessoas, por gerar empregos.

 

Até os anos 1970, a corrupção era ampla, geral e irrestrita, a ponto de se garantir juridicamente o abatimento dos pagamentos de propina no Imposto de Renda pelo Código Tributário francês. Watergate levou à renúncia de Nixon e à edição do Foreign Corrupt Practices Act, marco no mundo do enfrentamento da corrupção e da construção das políticas de compliance nas empresas.

 

Ao longo do tempo, temos sofrido perda progressiva de credibilidade das instituições e até da confiança em nível interpessoal. E, quando a credibilidade é minada, há erosão do sistema democrático. Corrupção significa apodrecimento, e temos vivido tempos de impunidade, o que acaba agravando ainda mais a perda da credibilidade.

 

Instituições sólidas e estáveis, além de fundamentais para a evolução e riqueza das nações, como assinalou Daron Acemoglu, Nobel de Economia, associadas a uma democracia saudável, são componentes imprescindíveis para o controle eficaz da corrupção. Por isso é absolutamente plausível concluir e afirmar que a degradação do ambiente democrático nos conduz à deterioração do controle da corrupção.

 

Nossa perda de credibilidade incluiu o sombrio florescimento do presidencialismo de cooptação e a colocação em xeque do princípio constitucional da separação dos Poderes via orçamento secreto, sabotagem da gestão dos recursos públicos no país, que deveria caber ao Executivo, ficando à deriva, à mercê do patrimonialismo predatório e do compadrio político, em total descompromisso com a publicidade republicana.

 

O Congresso apoderou-se paulatinamente de R$ 50 bilhões do Orçamento por ano e, nas últimas eleições, nos cem municípios mais beneficiados por emendas Pix, o índice de reeleição dos prefeitos beneficiários que obtiveram sucesso chegou a 93%. O índice de reeleição de prefeitos em 2024 foi de 82%, o maior da história, fato que chama a atenção se observarmos que suas avaliações eram, em geral, medíocres. Isso nos explica a resistência titânica à imposição do rastreamento das emendas parlamentares.

 

Quando se esmagou a Lei de Improbidade em 2021 (Lei 14.230), com o voto de muitos parlamentares processados por improbidade, quase se legalizou o nepotismo, classificado como exemplo de virtude da gestão pública pelo então líder do governo na Câmara. A partir de então, sete governadores ou ex-governadores, incluindo importantes ministros de Lula, viabilizaram as nomeações de suas mulheres para cargos de conselheiras dos Tribunais de Contas dos respectivos estados (cargos vitalícios) para fiscalizar, inclusive, as contas dos próprios maridos.

 

A última novidade é a tentativa do presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba, Adriano Galdino, de emplacar sua filha, a estudante de medicina Alanna Galdino, ex-funcionária-fantasma do governo do estado. Recebeu mais de R$ 600 mil sem trabalhar, conforme auditoria do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Sem experiência em contas públicas, foi nomeada pelo governador sem ser sabatinada. Uma representação do Ministério Público de Contas foi acolhida pela Justiça, sendo por ora brecada sua posse.

 

A violação à ordem jurídica e a princípios e valores constitucionais parece óbvia, mas não há norma clara e insofismável em vigor vedando essas investiduras imorais e verdadeiramente pornográficas à luz da prevalência do interesse público. Ao que tudo indica, nestes tempos de insegurança jurídica interpretativa, parece que existe por aqui a bactéria do nepotismo nas veias, e a única forma segura de contenção dessa sangria ao patrimônio público seria incluir proibição constitucional expressa em relação a essas situações específicas.

 

Roberto Livianu, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, é doutor em Direito Penal pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e integrante da Academia Paulista de Letras Jurídicas

 

 

 
 
 

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