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  • tayane16

Reputação, decoro profissional e a efetividade dos sistemas de integridade corporativos


No mundo empresarial, atualmente, é inegável o reconhecimento de que uma boa reputação aumenta o valor corporativo e proporciona uma imensa vantagem competitiva. Trata-se, assim, de um ativo de valor inestimável e diretamente correlacionado aos resultados financeiros de uma empresa.


De acordo com a pesquisa “The State of Corporate Reputation in 2020: Everything Matters Now[1], realizada pela consultoria Weber Shandwick em parceria com a KRC Research e que entrevistou profissionais de 22 mercados ao redor do mundo, os executivos globais atribuem, em média, 63% do valor de mercado à reputação geral de sua empresa. Ainda de acordo com essa mesma pesquisa, os executivos brasileiros estão no topo da lista dentre aqueles que mais valorizam a reputação corporativa, pois apontam que 76% do valor de mercado de uma empresa a ela está atrelado.


Por todos esses motivos sempre defendi que a reputação, ao lado do compliance, da transparência, da meritocracia, da lealdade corporativa, da inovação, da responsabilidade social e da sustentabilidade, é parte integrante e indispensável de um efetivo sistema de integridade empresarial. Assim, como se estivesse em uma espiral, a organização precisa alcançar índices reputacionais positivos para que seja considerada íntegra; ao mesmo tempo, para que seja reconhecida por sua boa reputação, ela também precisa possuir em seus quadros profissionais aderentes aos valores da integridade.

A palavra integridade tem por origem o vocábulo integer, que, no latim, significa “integral” ou “inteiro” – uma pessoa íntegra é aquela que não está dividida, ou seja, é uma pessoa completa e que age sempre de acordo com os mesmos padrões éticos, independente das circunstâncias, seja em um ambiente público ou estritamente privado, sejam em ambiente pessoal ou profissional.


Não foi por outro motivo que a Petrobras foi uma das primeiras empresas brasileiras a reconhecer expressamente a reputação como elemento de geração de valor e a registrar em seu Código de Conduta Ética, recentemente alterado, o “decoro profissional” dentre os deveres de seus colaboradores, estabelecendo o seguinte:


3.10. Reputação. Os membros da Alta Administração e os colaboradores da Petrobras carregam consigo a imagem e a reputação da companhia, dentro e fora dela, seja no mundo real ou no mundo virtual. Por isso, a conduta de membros da Alta Administração ou de quaisquer empregados que atente contra os valores e a reputação da Petrobras ou a prática de crimes intencionais, ainda que não estejam em horário de expediente e a infração não tenha sido cometida no ambiente de trabalho, ou mesmo que o ato aconteça no âmbito da Internet ou das redes sociais, caracteriza quebra de decoro profissional e poderá implicar a aplicação de sanções disciplinares, inclusive a rescisão do contrato de trabalho.


Um sistema de integridade se diferencia frontalmente de um sistema de compliance clássico. Enquanto o último está calcado na tríade prevenção-detecção-correção, buscando sempre evitar que práticas irregulares ou ilícitas aconteçam, o primeiro busca a disseminação e a absorção da cultura de integridade, demonstrando a seus colaboradores, acionistas, investidores e parceiros de negócios que fazer aquilo que é correto é valorizado e vale à pena. E buscar fazer o certo, convenhamos, produz resultados muito melhores do que simplesmente evitar o errado.


Uma importante instituição financeira brasileira, recentemente, decidiu demitir sem justa causa 50 funcionários que solicitaram, em 2020, o auxílio emergencial fornecido pelo governo federal de R$600,00 para desempregados e trabalhadores informais afetados pela pandemia da Covid-19. Ao final, divulgou uma nota na qual afirmou que a ética é um valor fundamental que deve ser cultivado e que “satisfazer interesses particulares em detrimento do bem comum é inaceitável”.


Não há nenhuma dúvida de que, nesse caso, está-se diante de uma demonstração plena de eficiência de um sistema de compliance e dos controles internos, razão pela qual o movimento empresarial realizado é digno de receber todas as homenagens. Houvesse outras empresas agindo da mesma maneira, certamente estaríamos no Brasil em outro estágio de evolução social.


Entretanto, no mesmo período, também tramitava perante a Diretoria Executiva de Governança e Conformidade da Petrobras apuração sobre eventuais casos de solicitação indevida do auxílio emergencial por parte de empregados da estatal. A equipe de Inteligência da Gerência Geral de Integridade Corporativa executou uma ferramenta de Data Analytics e de Robotic Process Automation (RPA) para realizar o cruzamento automatizado entre as informações constantes das bases de dados da Controladoria-Geral da União e dos empregados ativos da Companhia (SAP).


Em um universo de aproximadamente 46.000 empregados, foram, ao final, identificados apenas seis casos de suposto recebimento indevido de valores afetos ao auxílio emergencial por parte de colaboradores da Petrobras. Durante a apuração formal, restou evidenciado que quatro desses casos possuíam similaridade, pois tratavam de empregados que haviam solicitado o auxílio emergencial em data anterior às suas admissões na companhia. As provas coletadas demonstraram que não houver qualquer solicitação indevida que pudesse caracterizar falsidade declaratória ou documental, pois o auxílio emergencial e do auxílio residual são automaticamente depositados sem a necessidade de nova solicitação por parte do beneficiário. Por outro lado, o recebimento de valores afetos ao auxílio emergencial já na condição de empregado formal ativo constitui irregularidade, conforme preconizado no artigo 2° da Lei n° 13.982/2020 e no artigo 4° do Decreto n° 10.488/2020.


Os outros dois casos tratavam de contratos de trabalho suspensos, ou seja, de pessoas que foram admitidas e, no mesmo dia, pediram a suspensão do respectivo contrato de trabalho, o que significa que jamais funcionaram verdadeiramente como empregados Petrobras. Esses dois colaboradores informaram que, como não estavam trabalhando, entenderam fazer jus ao benefício. Mesmo assim, foram adotadas todas as providências para que devolvessem os valores, pois, se suspenderam seus contratos laborais deliberadamente, não podem jamais ser considerados necessitados na acepção legal.


Diante da constatação de inexistência de má-fé dos empregados no momento da conduta, entrou em ação uma outra ferramenta inovadora do sistema de responsabilização disciplinar da Petrobras: a celebração do termo de compromisso. Por esse procedimento, os colaboradores foram orientados quanto à prática correta, reconheceram a necessidade de regularizar a situação junto ao poder público e se comprometeram a devolver aos cofres da União os valores indevidamente recebidos. Foram, ainda, formalmente orientados a agir de acordo com os valores da integridade em situações análogas e futuras.

Com a apresentação do comprovante de devolução do numerário incorretamente recebido, os procedimentos disciplinares foram arquivados sem a aplicação de qualquer sanção disciplinar.


Daí a diferença abissal entre sistemas de compliance e sistemas de integridade, sendo fácil perceber que, no primeiro, as situações foram de explícita má-fé, enquanto que, no segundo, as hipóteses foram muito mais de negligência, desconhecimento ou falta de atenção; no sistema de compliance o quantitativo detectado de situações irregulares foi muito maior que no sistema de integridade – conscientizar sobre a prática correta mitiga a tentação em torno daquilo que é errado; no compliance, o colaborador mal intencionado pode até se ver estimulado a uma prática irregular se acreditar que não será flagrado. Já na integridade ele não pratica o ato irregular por convicções próprias a partir dos valores já agregados ou assimilados, pois sabe que a conduta correta é valorizada na empresa; como efeito do sistema de compliance, os empregados foram demitidos, aumentando os já alarmantes níveis de desemprego, e ainda podem no futuro vir a serem contratados por outras empresas sem a devida “red flag”, pois a demissão se deu “sem justa causa”. Como resultado do sistema de integridade, os empregados receberam a devida orientação, mantiveram seus empregos e devolveram os valores indevidamente recebidos aos cofres da União. A lição, certamente, os tornou seres humanos melhores.


O leitor, após a leitura deste singelo artigo, certamente deve estar refletindo sobre as nuances de implementação de um sistema de compliance clássico e de um sistema de integridade efetivo. Mudança de cultura não se faz de um dia para o outro e muito menos decorre de histórias ou de treinamentos que oferecemos aos empregados. No fim do dia, o que importa, de verdade, é o exemplo que a alta administração dá para seus colaboradores, razão pela qual fica fácil concluir que, para um efetivo sistema de integridade, a liderança, a comunicação pelo exemplo e o “tone at the top” figuram como requisitos indispensáveis e fundamentais para a consecução de seus objetivos.


[1] Disponível em:


*Marcelo Zenkner, diretor de Governança e Conformidade da Petrobras. Ex-promotor de Justiça e ex-secretário de Estado de Controle e Transparência do Espírito Santo



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