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Sergio Cabral e a percepção da impunidade

Seriam dezenove bilhões de reais nas mãos do relator para 2023 e o bolo secreto de "verbas-coringa" (sem destinação prévia) passaria a ser dividido entre o relator do orçamento, o presidente da Câmara, o presidente do Senado e os presidentes de alguns partidos graças a um mágico projeto de resolução aprovado no Congresso em meio ao julgamento do STF.


Trata-se de artifício para criar a falsa impressão de que o "orçamento secreto" estaria ao menos mitigado, mas isto não é verdade. Tentou-se criar um ardil para, através de um sistema atenuado do que se tem hoje, convencer o STF, em pleno julgamento, de que o Congresso estaria abrindo mão de parte de seu poder. Detalhe: o Congresso transaciona enquanto isto a aprovação da PEC da transição. É ilustrativo neste sentido o pensamento de Giuseppe di Lampedusa "Tudo deve mudar para que fique como está".


É como se estivessem instituindo que as práticas espúrias do "orçamento secreto" passariam a ser praticadas por um grupo maior de pessoas, como se isto tivesse o poder de tornar a prática legítima.


O único deslinde possível para o caso era realmente o caminho preconizado no voto da Ministra relatora Rosa Weber, seguido pelos Ministos Barroso, Fachin, Carmen Lúcia, Fux e Lewandowsky que reconhecem a afronta que o "orçamento secreto" impõe à nossa Constituição Federal aos princípios da publicidade e separação dos poderes.


A única saída republicana foi adotada - extirparmos este tipo de expediente, que o Congresso insiste em manter. Era pavorosa e devastadora a hipótese de ser esta prática nefasta chancelada e naturalizada pela suprema corte do país em nome da governabilidade política. Significaria que o Poder Judiciário deixou de cumprir seu papel de interpretar a vontade abstrata da lei aos casos concretos para simplesmente dizer amem ao poder político quando isto convém.


O assunto, que se tentava banalizar e naturalizar era tão sério e grave que a Constituição Federal, nossa carta política, ao tratar dos crimes de responsabilidade do presidente da República, elenca as hipóteses, no artigo 85, como lembra nosso sempre Ministro Ayres Britto, sendo sete, a primeira delas atentar contra a existência da União, a segunda contra o livre exercício do Legislativo, do Judiciário, do MP, e dos poderes constitucionais das unidades da federação e a sexta, contra a lei orçamentária. Ou seja, o tema orçamento é de importância capital, cuja violação pode levar ao impeachment do mandatário maior da nação.


Hoje mais um voto de Ministro do STF será proferido e é absolutamente crucial para a conclusão deste julgamento, sendo inicialmente extremamente preocupante a hipótese de se legitimar o "orçamento secreto" com as bênçãos da mais alta corte do país. Mas se formou felizmente maioria pela proclamação da inconstitucionalidade.


Como se não fosse suficiente para o dia de hoje, o ex-Governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral, do alto de sua condição de condenado a penas que ultrapassam quatrocentos e trinta anos em vinte e três processos, pendentes outros tantos, tendo ele confessado as graves práticas corruptas, teve determinada sua libertação pelo mesmo Supremo Tribunal Federal. Isto depois de usufruir de privilégios indevidos na prisão.


No fundo, ele não está sendo mantido preso porque houve mudança de orientação do STF, que entende necessário que para se inicie o cumprimento das penas, devem ser percorridas as quatro instâncias. E como há todo tipo de artimanha, isto se eterniza e nunca acontece o trânsito em julgado. Esta exigência, que não se faz em nenhum outro país ocidental democrático, não foi a prevalente nas últimas décadas no Brasil, mas é a atualmente adotada entre nós e o Congresso não delibera sobre proposição no sentido da prisão após condenação em segundo grau. Como explicar para qualquer pessoa humilde do povo esta soltura que ocorrerá hoje?


Existe excesso de encarceramento em relação ao tráfico, em relação aos pobres, em relação aos negros, mas não há excesso de encarceramento para quem pratica crimes de corrupção. Muito pelo contrário. Prende-se menos do que se deveria. A razão elementar nos orienta no sentido que Sérgio Cabral, depois da celebração espúria da festa dos guardanapos em Paris, de dezenas de ternos su misura Ermenegildo Zegna apreendidos, assim como o vaso sanitário mais moderno do mundo com seis temperaturas que o acarinhava não poderia ser solto hoje.


Não nos esqueçamos que a Câmara deliberou por volta das 22h de terça-feira da semana passada, sem qualquer debate, sem discussão em qualquer comissão, sem ouvir a sociedade civil, modificar também, em menos de dois minutos a lei das estatais, admitindo novas regras que trazem de volta a cultura do compadrio político que foi enfrentado em 2016 com o advento da lei 13303/2016 diante do escândalo bilionário da Petrobrás.


A leitura social é no sentido de que a lei só se aplica com rigor para pobres e desvalidos. Cabral ficou preso apenas por seis anos e com certeza inexorável jamais retornará ao cárcere, onde pobres pretos apodrecem sem assistência judiciária.


Felizmente o STF proclamou a inconstitucionalidade do "orçamento secreto". Mas infelizmente a soltura de Sergio Cabral transmite percepção de que a impunidade está garantida por lei e pelas instituições no Brasil. De que não existe sombra de dúvida a respeito disto. A sociedade espera que não seja desta forma, para que possa nutrir ainda alguma esperança no porvir.


*Roberto Livianu, procurador de Justiça no MPSP, doutor em Direito pela USP, escritor, professor, palestrante, é idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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